Eu sei que muitas mães gostam dessa festinha, porque se lembram das
celebrações de dia das mães da própria infância. As crianças ensaiavam
músicas e grandes apresentações e, nessas cerimônias, entregavam os
presentes às mães, que iam sempre às lágrimas. A sua adorava a homenagem
e você ficava super orgulhosa em “desfilar” com ela por aí.
Mas
eu preciso te contar uma coisa: enquanto eu, você e nossas mães nos
sentíamos radiantes durante essa comemoração, muitas outras crianças se
sentiam miseráveis. Eu não me esqueço como uma amiguinha, a Daniela,
ficava sempre tensa quando chegava esse dia. A mãe dela quase nunca
conseguia comparecer a essas celebrações. Era “desquitada”, como se
dizia naquela época, ex-marido não queria saber da família e, por isso,
trabalhava dobrado para sustentar os filhos. No dia da tal festa, o
chefe não queria nem saber de liberá-la por algumas horinhas. Lembro da
gente pequena, flores na mão, esperando as mães entrarem na sala de aula
para uma dessas festinhas. A Daniela dizia, baixinho “se ela não vier, eu não vou perdoar, se ela não vier, não vou perdoar”.
A mãe só apareceu lá pelo meio da apresentação, muito atrasada e com
cara de ‘desculpa, filha’. Minha amiga já estava magoadíssima, inchada
depois de verter lágrimas silenciosas para não atrapalhar a música que
os colegas, alheios ao seu sofrimento, cantavam a plenos pulmões. Havia
uma menina órfã de pai na mesma sala. Os pais tinham mais dificuldade em
aparecer nas tais festas, e isso era considerado, mas sempre que a data
chegava ela sofria ao explicar para todo mundo que o pai tinha morrido
quando ela ainda era um bebê e, por isso, aquele homem tão velhinho
fazendo o papel de pai nas festas era, na verdade, o avô.
Confesso
que quando meu filho entrou na escolinha estranhei que, com a chegada
do mês de maio, não tivesse nenhuma convocação para a festinha do dia
das mães. Na sexta-feira anterior à data até recebi um presentinho na
mochila – acho que algum desenho de uma mão gorducha que se imprimiu à
folha de sulfite depois de mergulhada na tinta, uma coisa muito fofa.
Mas festa? Nenhuma. Perguntei a razão à professora e ela me lembrou o
óbvio. Nem todos os alunos têm mães, nem todos os alunos têm pais,
outros têm duas mães, nenhum pai, ou dois pais, nenhuma mãe. Lembrou-me
que há crianças que são cuidadas pelos avós, pelos tios, pelos
padrinhos. Eu olhava ao meu redor e via que todas as crianças da classe
do meu filho tinham mães e pais, mas a vida não era assim, estávamos
numa bolha que, a qualquer momento, podia estourar.
E estourou, claro, a bolha sempre estoura.
Anos
depois, essa mesma professora querida do meu filho morreu em um
acidente de carro. A filha dela sobreviveu. Estuda na escola onde a mãe
lecionava (e onde meu filho ainda estuda), lida com as lembranças
doloridas de quem só perdeu pai e mãe na infância sabe quais são mas,
ainda bem, não tem que lidar com o tormento da festa do dia das mães. Um
menino da mesma série do meu filho perdeu o pai para uma dessas doenças
que aparecem sem pedir licença. Duro? Duríssimo! Ainda bem que essa
criança não tem que lidar, também, com o tormento que poderia ser a tal
festa do dia dos pais. Além das mães (e dos pais) que morreram, têm que
os que sumiram, os que são negligentes, os violentos. Seria justo fazer
uma criança passar semanas e mais semanas na expectativa de comemorar
algo que, para ela, não merece ser comemorado só para que eu, mãe da
“bolha” possa ter alguns minutos de felicidade? Não, né?
Por isso
muitas escolas acabaram com as tais festas do dia das mães e dos pais e
instituíram o dia da família, comemorado em uma data aleatória. Nessa
festa, o foco é celebrar quem cuida, acolhe e educa essa criança: são
avós, tios, padrinhos, uma mãe-solo, um pai-solo, dois pais, duas mães e
até, olha só, um pai e uma mãe. Em tese, toda criança tem alguém, ou
várias pessoas e elas merecem ser celebradas.
Se eu fico triste
por não ter festinha de dia das mães na escola do meu filho? Ora, ora,
eu já sou adulta, sei lidar com as minhas frustrações.
Por Rita Lisauskas Via Estadão
Disponível em: https://www.portalraizes.com/tormento-do-dia-das-maes/
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