Há, no Brasil, cerca de 1 milhão de indígenas de
mais de 250 etnias distintas vivendo em 13,8% do território nacional. Em
meio às ameaças de violência, riscos de perda de direitos em
decorrência da pressão dos latifundiários, mineradoras e usinas,
alguns povos indígenas lutam por mais autonomia, tentando conquistar,
com a comercialização de seus produtos e com o turismo, alternativas
para diminuir a dependência dos recursos cada vez mais escassos da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Segundo especialistas consultados pela Agência Brasil, estes são alguns dos principais desafios a serem lembrados neste 19 de abril – o Dia do Índio.
A reportagem é de Pedro Peduzzi com colaboração de Andréa Quintiere e Paulo Victor Chagas, publicada por Agência Brasil, 19-04-2018.
Para serem bem-sucedidos, nessa empreitada visando a venda de suas produções e a exploração dos recursos naturais das terras indígenas (TIs), os povos indígenas têm como desafio buscar maior representatividade no Congresso Nacional, uma vez que cabe ao Legislativo Federal
criar políticas específicas que deem segurança jurídica para que eles
consigam o desenvolvimento financeiro do qual sempre foram excluídos.
Sustentabilidade
Alguns povos indígenas que
tiveram suas terras homologadas têm conseguido bons resultados por meio
da comercialização de seus produtos. Levantamento apresentado à Agência Brasil pelo Instituto Socioambiental (ISA) aponta que, somente na safra 2017/2018, índios da etnia Kayapó do Pará
obtiveram cerca de R$ 1 milhão com a venda de 200 toneladas de
castanha. Outros R$ 39 mil foram obtidos com a venda de sementes de
cumaru, planta utilizada para a fabricação de medicamentos, aromas, bem
como para indústria madeireira.
A castanha rendeu aos Xipaya e Kuruaya, no Pará, R$ 450 mil, dinheiro obtido com a venda de 90 toneladas do produto. Cerca de 6 mil peças de artesanato oriundo das Terras Indígenas do Alto e do Médio Rio Negro renderam R$ 250 mil aos índios da região. Já os indígenas da TI Yanomami (Roraima e Amazonas) tiveram uma receita de R$ 77 mil com a venda de 253 quilos de cogumelos.
Os exemplos de produções financeiramente bem-sucedidas abrangem também os Baniwa (AM), que venderam 2.183 potes de pimenta, que renderam R$ 46,3 mil. As 16 etnias que vivem no Parque do Xingu obtiveram R$ 28,5 mil com a venda de 459 quilos de mel.
Produção dos povos indígenas
(Foto: Agência Brasil)
Autonomia
O presidente da Funai, general Franklimberg Ribeiro Freitas, disse que cabe aos indígenas a escolha do modelo de desenvolvimento a ser adotado. “A Funai deve apoiá-los para atingir seus objetivos”, afirmou à Agência Brasil.
“Em diversas regiões, os índios estão produzindo visando à
comercialização de seus produtos ou mesmo serviços, como o turismo
ecológico. Essas experiências mostram que a extração sustentável, a
comercialização de produtos e o turismo podem ajudar a ampliar o
desenvolvimento das Terras Indígenas”, disse o presidente do órgão indigenista.
Franklimberg destacou que entre as etnias que produzem e avançam na comercialização de produtos e serviços estão os Kayapós do Pará.
“Eles produzem toneladas de castanha e agora reivindicam máquinas para
beneficiar o produto”, ressaltou. “Há também o cultivo e a venda de
camarão, pelos Potiguara da Paraíba, que está bastante avançada. Tem até a lavoura de soja dos Pareci, no Mato Grosso”.
O presidente da Funai acrescentou ainda que: “No
caso do minério e dos recursos hídricos, é preciso ainda normatizar e
regulamentar essas atividades, o que cabe ao Congresso Nacional fazer”.
Congresso Nacional
Para o antropólogo e professor da Universidade de Brasília Stephen Baines, os indígenas são preteridos na relação com os empresários e donos de terras. “Há uma desproporção absurda no Legislativo brasileiro a favor daqueles que querem o retrocesso dos direitos dos povos indígenas, previstos na Constituição de 1988 e na legislação internacional”, disse à Agência Brasil.
“Temos atualmente um Congresso Nacional extremamente conservador que representa – por meio de parlamentares ligados à bancada ruralista,
ao agronegócio, às empresas de mineração e aos consórcios de mineração e
de usinas hidrelétricas – a maior ameaça e o maior ataque aos direitos dos povos indígenas”, afirmou o antropólogo.
Segundo Baines, é difícil para os índios planejar
grandes voos do ponto de vista de recursos, sem que, antes, seja
resolvida a questão da gestão territorial, o que inclui a segurança
jurídica que só é possível a eles após terem suas terras demarcadas e
homologadas.
“É fundamental que se tenha respeito pelos índios e pela sua forma de
viver e produzir. Para tanto, é necessária a efetivação dos direitos
previstos tanto na Constituição como pelas convenções internacionais”, disse Baines citando convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos povos indígenas.
Violência
Stephen Baines afirmou que a violência contra os índios ainda é intensa em várias comunidades, como nos estados do Pará, Mato Grosso e Roraima.
“Há muitas ameaças contra os índios, feitas por latifundiários,
empresas e pelos capangas, que matam lideranças locais que lutam pelos
seus direitos. Quer saber onde os índios correm mais riscos? Basta olhar
para as terras indígenas que estão próximas a latifúndios”, disse.
Baines citou como exemplo o ocorrido na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR),
onde fazendeiros que vieram de outras regiões se instalaram. “Eles
invadiram as áreas indígenas para desenvolver produção industrial de
arroz. Para expulsar os índios da região, usavam capangas. Até indígenas
foram pagos por eles para intimidar as lideranças”, afirmou.
“Atualmente, muitos daqueles invasores são atualmente influentes
políticos locais e federais e, com a ajuda da mídia, passam a falsa
ideia de que há muita miséria entre os indígenas. Os indígenas negam
isso, mas não conseguem espaço na mídia para desmentir a história
falsa.”
À Agência Brasil, o integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária e líder do PSDB na Câmara, deputado Nilson Leitão (MT), disse que “nenhum projeto” aprovado pelo Congresso Nacional
traz prejuízos aos interesses dos indígenas. “Pode ir contra o
interesse de intermediários, interventores ou organizações sociais, que
dizem trabalhar para o índio. Nenhum deputado que eu conheço, que
defenda o setor produtivo, trabalha contra o índio”, disse.
Nilson Leitão afirmou que o “verdadeiro parceiro do
índio são os produtores”. “[Indígenas e produtores] são vizinhos, moram
na mesma localidade, têm as mesmas peculiaridades e colaboram um com o
outro. Não existe conflito entre eles a não ser aqueles provocados por
organizações sociais”, disse.
Marco temporal
O antropólogo alertou sobre “marco temporal”, medida que divide
opiniões, busca produzir a área das terras indígenas, colocando como
referência para as demarcações as terras que estavam ocupadas na época
em que a Constituição foi promulgada [1988], ou seja, quando os “indígenas foram removidos e expulsos de suas terras em todo o Brasil”.
Neste cenário, as manifestações indígenas ganharam mais força, como o caso do Acampamento Terra Livre, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Formado em 2004, é a maior mobilização de povos indígenas do país. Em
2017, mais de 3 mil indígenas de 200 povos participaram da manifestação
em Brasília.
No próximo dia 23, haverá a 15ª edição da mobilização, em Brasília, em defesa da manutenção e efetivação dos diretos dos povos indígenas.
Dia do Índio - Mapa Ocupação
(Foto: Agência Brasil)
Mais demandas
Os diversos grupos indígenas apelam por mais mecanismos de segurança
jurídica para o desenvolvimento e comercialização de seus produtos. “A
segurança jurídica não pode ficar restrita a grandes grupos econômicos.
Além de ter seus direitos respeitados e a liberdade para explorar as
terras como acharem melhor, os indígenas precisam também de incentivos
para produzir, respeitando seus próprios modos de produção”, argumentou Stephen Baines
Segundo o antropólogo, o conhecimento tradicional sobre a relação com
o ambiente faz parte dos produtos indígenas e, ao mesmo tempo, valoriza
a questão ambiental. “Não há dúvida de que o fato de serem feitos por
indígenas dá ao produto um diferencial, por serem ecologicamente
seguros. Inclusive há lojas na Europa muitas lojas que vendem produtos industrializados como sendo indígenas. Alguns até usam uma pequena quantidade de óleo de castanha kayapó para associar a imagem do produto à ideia de produção sustentável em suas campanhas de marketing”.
Em menor escala, a forma de produção indígena é bastante diferente da
exploração industrial, que, segundo ele, é desastrosa e provoca
impactos ambientais irreversíveis. “Quando eles optam pela mineração,
eles o fazem por meio de uma maneira própria de garimpagem em pequena
escala. Extraem somente o necessário, pensando nas gerações futuras. Não
querem empresas porque sabem que elas tiram tudo de uma vez, não
deixando nada para o futuro”.
Para Baines, é importante a adoção de cotas indígenas no ensino superior, como fez de forma pioneira a Universidade de Brasília (UnB). Em 2017, havia 67 alunos indígenas de 15 povos. Destes, 42 faziam graduação e 25 pós-graduação.
Política
O assessor parlamentar da Funai Sebastião Terena
disse que as lideranças indígenas têm trabalhado também para ampliar a
representatividade de índios na política brasileira nas eleições de
2018, em especial no Congresso Nacional. As dificuldades, no entanto, não são poucas. Na história do Parlamento brasileiro, o único indígena eleito foi Mário Juruna, em 1982, para a Câmara dos Deputados.
Pelos dados de Terena, há apenas 117 vereadores
indígenas cumprindo mandato em 25 unidades federativas, além de quatro
prefeitos e um vice-prefeito. “Apesar da falta de recursos e de
infraestrutura, pela primeira vez teremos pré-candidatos indígenas em
pelo menos 10 estados e no Distrito Federal”, disse Terena à Agência Brasil. A definição dessas candidaturas deve ocorrer em julho.
O antropólogo Stephen Baines lamenta que “apenas uma
pequena minoria de parlamentares luta pelos direitos indígenas”. “Em
parte, isso se explica porque muito do dinheiro do agronegócio
e das empresas e consórcios acaba sendo usado em campanhas eleitorais
das bancadas contrárias aos povos indígenas. E muito provavelmente parte
do financiamento vantajoso que é direcionado ao agronegócio acaba
servindo também para financiar as campanhas dessa bancada que faz de
tudo para inviabilizar candidaturas indígenas”, acrescentou.
Na avaliação de Baines, a data de hoje – Dia do Índio – é importante não só para o protagonismo indígena, mas também para chamar a atenção das pessoas interessadas na defesa dos direitos indígenas.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/578127-um-milhao-de-indigenas-brasileiros-lutam-por-mais-autonomia-e-buscam-alternativas-para-sobreviver
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