“Populismo é
uma palavra sem conceito que exala preconceito. Ela pretende dizer que
os “esclarecidos” decidem de maneira racional, não por interesse
próprio. Dizem que os desvalidos e os mais pobres atacam os orçamentos
na defesa de seus interesses”, escreve Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, em artigo publicado por CartaCapital.
Segundo ele, “em suas metamorfoses camaleônicas, os mercados reagiram favoravelmente à vitória de Trump. Wall Street é perfeitamente compatível com o nazismo, como ensina a história”
“Quando um sábio ou magano da finança e da economia saca do coldre a palavra populismo,
- conclui o economista - meus ouvidos traduzem “é um assalto”. Levanto
os braços imediatamente diante das ameaças do agente racional engomado”.
Eis o artigo.
Em entrevista recente ao Estadão, o ex-presidente Fernando Henrique valeu-se da expressão “populismo” para estigmatizar os eleitores dos adversários.
Meu professor de Sociologia juntou-se à turma que manda e desmanda no mundo da globalização,
sempre empenhada em desqualificar a moçada que sobrevive no prejuízo.
Encarapitados nos píncaros reservados ao 1% da distribuição de renda e
riqueza, os homens bons lançam mensagens de menosprezo aos que labutam
no vale de lágrimas.
Populismo é uma palavra sem conceito que exala
preconceito. Ela pretende dizer que os “esclarecidos” decidem de maneira
racional, não por interesse próprio. Dizem que os desvalidos e os mais
pobres atacam os orçamentos na defesa de seus interesses.
Já os sábios do andar de cima e seus especialistas, esses não, eles
encarnam a racionalidade, exercida do alto de seus escritórios
almofadados. Sem essa e mais aquela, eliminam a contraposição de
interesses e vão jogar Lego com as hipóteses ridículas sobre a economia e
a sociedade, não é assim professor Fernando Henrique?
O filósofo italiano Bifo Berardi não deixa barato: “A palavra populismo, muito usada nestes tempos, é uma fraude. Não explica coisa nenhuma”. Bifo vai mais fundo para diagnosticar os desencontros entre as visões dos iluminados e os desvios dos obscurantistas-populistas.
“A soberania popular, enquanto faculdade de governar a vida social,
está irremediavelmente perdida porque, em uma era de aceleração da
hipercomplexidade, a vontade popular é impotente diante dos automatismos
técnicos e linguísticos que a sociedade não pode obstar.”
Continuo dialogando com Berardi, sem aspas.
Concordamos. Na cena global, movem-se hoje dois atores, a abstração
globalizante e os corpos aprisionados no espaço jurídico-político dos
territórios nacionais. Incapaz de desfrutar da universalidade, a
corporeidade da massa “populista” conflita com a abstração produzida
pelo cérebro financeiro. A aceleração do tempo produz o amesquinhamento
do espaço onde sobrevivem os mortais de carne e osso.
A abstração dos mercados, no entanto, tem forças para adaptar seu
código aos desatinos do corpo dos pobres mortais (ou dos mortais
pobres?). Em suas metamorfoses camaleônicas, os mercados reagiram
favoravelmente à vitória de Trump. Wall Street é perfeitamente compatível com o nazismo, como ensina a história.
O modelo neoliberal continua a impor-se mediante seus automatismos, a
despeito da dissolução do consenso. As camadas dominantes e rentistas,
depois de lançarem a economia mundial no colapso, exigem uma aceleração
histérica das políticas perversas e portadoras de mais desigualdade.
As novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das
corporações internacionalizadas sobre grandes massas de trabalhadores,
permitindo a “arbitragem” entre as regiões e nivelando por baixo a taxa
de salários.
As fusões e aquisições acompanharam o deslocamento das empresas que
operam em múltiplos mercados. Esse movimento não só garantiu um maior
controle dos mercados, como também ampliou o fosso entre o desempenho
dos sistemas empresariais “globalizados” e as economias territoriais
submetidas a regras jurídico-políticas dos Estados Nacionais.
A abertura dos mercados e o acirramento da concorrência coexistem com
a tendência ao monopólio e debilitam a força dos sindicatos e dos
trabalhadores “autônomos”, fazendo periclitar a sobrevivência dos
direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das
leis de concorrência.
Nesse ambiente darwinista, são cada vez mais frequentes as arengas
dos economistas, sacerdotes da religião dos mercados, contra as
tentativas dos simples cidadãos e cidadãs de barrar a marcha do Moloch insaciável
e ávido por expandir o seu poder. A gritaria dos sábios das finanças é
desferida contra os “desvios” da política, contra os surtos de
“populismo”.
Escabroso em sua simplicidade, tal arremedo de inteligência imagina
que o debate econômico se desenvolve em um ambiente a-histórico,
movendo-se eternamente entre a racionalidade dos economistas e o
populismo das urnas. Essa geringonça intelectual reproduz a obsessão dos
conservadores de todos os tempos e lugares com o “vício” populista dos
governos que arriscam políticas sociais.
Quando um sábio ou magano da finança e da economia saca do coldre a
palavra populismo, meus ouvidos traduzem “é um assalto”. Levanto os
braços imediatamente diante das ameaças do agente racional engomado.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/575531-o-que-quer-dizer-populismo
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