Ser chamado pelo nome é ser reconhecido. E Jesus, o Bom Pastor,
chama cada um de nós pelo nome, e nos convida a confiar nele, a que
passemos por ele como o nosso intermediário, a escutá-lo, a seguir o seu
exemplo e a vivermos com ele a sua Páscoa, a fim de conhecermos a Vida.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 4º Domingo de Páscoa Quaresma, do Ciclo B (22 de abril de 2018). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
O bom pastor
A imagem do pastor com as suas ovelhas deixa insensíveis muitos
crentes. Pois, de fato, não apreciamos muito ser comparados a um rebanho
obediente, no qual cada um perde a sua especificidade. Mas, deixando
isto de lado, perguntemo-nos sobre o que Jesus quer nos dizer com esta
imagem tão característica de certa região e de uma época bem
determinada. Hoje vemos igualmente pessoas inscreverem-se em partidos e
colocarem-se na defesa de seus líderes quer sejam políticos,
confessionais ou ideológicos. Gurus é o que não falta. Jesus
paradoxalmente nos convida à liberdade frente a todos
os condutores de homens, mesmo quando as circunstâncias nos levam a
cerrar fileira com eles, tendo em vista este ou aquele resultado. Não
podemos dizer: “Eu sou de Paulo!”, ou “Eu sou de Apolo!”, ou “Eu sou de Cefas!” (1 Coríntios 1,12). Jesus opõe o "bom pastor"
ao mercenário, isto é, àquele que trabalha para o seu próprio
interesse: dinheiro, notoriedade, poder… Para este, a prosperidade das
"ovelhas" não é o seu objetivo; estas são para ele apenas um meio.
Assim, mais uma vez, se põe para nós uma questão fundamental: o que
buscamos na vida, por detrás de nossas condutas, na superfície muitas
vezes louváveis, mas que às vezes têm por fim tão somente nos
justificarmos aos olhos dos outros ou aos nossos próprios olhos, para
confirmarmo-nos a respeito de nós mesmos? Podemos às vezes ser
"ovelhas", quando nos fazemos servidores, e outras vezes, "mercenários",
quando nelas buscamos o interesse próprio.
Um estranho pastor!
Em suas parábolas, Jesus parte das realidades visíveis na vida
corrente, mas, geralmente, faz este material inicial sofrer
transformações consideráveis. Tanto assim que um pastor
de verdade, assalariado ou não, vive do seu rebanho: da sua lã, da sua
carne, do preço da venda de determinados animais. Mas este a quem Jesus
chama de bom pastor, o verdadeiro pastor, não se parece
com nenhum outro. Primeiro, porque para ele não se trata de um rebanho
de anônimos: no versículo 10,3 (pouco antes da nossa leitura), ficamos
sabendo que este pastor chama as suas ovelhas cada uma por seu nome.
Ele as conhece e elas o conhecem. Mas eis que no versículo 7 o pastor
não é mais pastor, mas a porta pela qual as ovelhas entram e saem. E, em
João, o pastor se tornará finalmente "o Cordeiro de Deus". Jesus ocupa, portanto, todos os postos. É que o Senhor e Mestre
fez-se o servidor; o pastor tornou-se o cordeiro imolado, para se
oferecer ao rebanho em alimento. Então os membros do rebanho também, por
sua vez, acedem ao Senhorio. Uma troca admirável! Assim ficamos sabendo
que Este que está na origem de tudo o que existe põe-se a serviço de
quem Ele mesmo faz existir. Há, pois, nesta parábola do Bom Pastor,
a afirmação silenciosa de que tudo tem a sua origem no amor e que este
amor nos acompanha ao longo de todos os caminhos que escolhemos seguir.
Ele nos faz atravessar as portas da morte. O Cordeiro imolado, o nosso pastor, está vivo para sempre! Assim, a nossa vida, estando dentro da Sua, permanece inalterável.
O pastor que dá a sua vida
O «bom pastor», portanto, decididamente, nada tem a
ver com os pastores comuns, pois estes vivem do seu rebanho, enquanto o
Cristo, pelo contrário, está a falar de um pastor que não é outro senão
Ele próprio. Ele é quem dá a vida por suas ovelhas. E estas palavras querem fazer alusão à Páscoa
que estava por vir. Jesus, um dia, dirá aos discípulos: «Tomai, todos, e
comei; isto é o meu corpo que será entregue por vós.» «Tomai, todos, e
bebei; este é o cálice do meu sangue, que será derramado por vós.» Já no
capítulo 6 do evangelho de João, lemos: «Quem come a minha carne e bebe
o meu sangue tem a vida eterna» (54) e «Quem come a minha carne e bebe o
meu sangue permanece em mim e eu nele» (56). Portanto, não é mais o
rebanho que alimenta o pastor, mas o pastor que, com sua própria carne,
alimenta o rebanho. Aliás, tudo o que consumimos não é alimento de
verdade, porque só nos proporciona um sursis à morte, a sua suspensão
temporária. Ora, a Eucaristia significa tudo isso. Faz
de nós, por certo, um só «rebanho», um só corpo, mas repartir, tomar e
comer este pão só pode produzir frutos se absorvemos, também, a sua
Palavra. Que palavra? Em 1 João 3,24, lemos que “quem guarda os seus
mandamentos permanece em Deus e Deus nele” (são as mesmas palavras do
capítulo 6). E o mandamento de Cristo é que nos amemos uns aos outros,
«não com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade».
Deveríamos também nós nos dar em alimento para os nossos irmãos? Pois é
exatamente isto que está dito em 1 João 3,16.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/578134-o-bom-pastor-chama-as-suas-ovelhas-uma-por-uma
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