Na manhã de ontem, 07-09-2017, o papa Francisco
encontrou os bispos da Colômbia, em Bogotá. Estavam presentes
aproximadamente 130 bispos. O papa foi saudado pelo presidente da
Conferência Episcopal Colombiana, D. Óscar Urbina Ortega, arcebispo de Villavicenzio.
Na oportunidade Francisco proferiu o seguinte discurso.
Na oportunidade Francisco proferiu o seguinte discurso.
Eis o texto.
A paz esteja convosco!
Assim o Ressuscitado saudou o seu pequeno rebanho depois de ter
vencido a morte; permiti que vos saúde do mesmo modo, no início da minha
viagem.
Pelos vossos lábios de legítimos Pastores de
Cristo, que sois, a Colômbia tem o direito de ser interpelada pela
verdade de Deus, que repete continuamente: «Onde está o teu irmão?» (Gn
4, 9). É um interrogativo que não pode ser silenciado, mesmo quando o
ouvinte não mais pode fazer que baixar o olhar, confundido, e balbuciar a
sua própria vergonha por tê-lo vendido, quem sabe, pelo preço dalguma
dose de estupefaciente ou por alguma equívoca concepção de Estado,
talvez pela consciência errada de que o fim justifica os meios
Agradeço as palavras de boas-vindas. Estou feliz porque os primeiros
passos que dou neste país me levam a encontrar-vos, Bispos da Colômbia,
e, em vós, abraçar toda a Igreja colombiana e estreitar o vosso povo ao
meu coração de Sucessor de Pedro. Agradeço-vos imenso pelo vosso
ministério episcopal, pedindo-vos para continuardes a exercê-lo com
renovada generosidade. Dirijo uma saudação particular aos Bispos
eméritos, encorajando-os a continuarem a apoiar, com a oração e a
presença discreta, a Esposa de Cristo à qual generosamente se
entregaram.
Venho anunciar Cristo e, em seu nome, realizar um caminho de paz e reconciliação. Cristo é a nossa paz! Reconciliou-nos com Deus e entre nós!
Estou convencido de que a Colômbia possui
algo de original que chama fortemente a atenção: nunca foi uma meta
completamente realizada, um destino completamente alcançado, nem um
tesouro totalmente possuído. A sua riqueza humana, os seus abundantes
recursos naturais, a sua cultura, a sua luminosa síntese cristã, o
patrimônio da sua fé e a memória dos seus evangelizadores, a alegria
espontânea e sem reservas do seu povo, o sorriso impagável da sua
juventude, a sua original fidelidade ao Evangelho de Cristo e à sua
Igreja e sobretudo a sua coragem indômita de resistir à morte, não só
anunciada, mas muitas vezes semeada. E tudo isto se subtrai – digamos
que se esconde – àqueles que se apresentam como forasteiros ávidos de a
subjugar, ao passo que se oferece generosamente a quem toca o seu
coração com a mansidão do peregrino. A Colômbia é assim.
Por isso, como peregrino, me dirijo à vossa Igreja. Sou vosso irmão,
desejoso de partilhar Cristo ressuscitado, para Quem nenhum muro é
eterno, nenhum medo é indestrutível, nenhuma chaga é incurável.
Não sou o primeiro Papa que vos fala na vossa casa. Dois dos meus maiores Predecessores foram hóspedes aqui: o Beato Paulo VI, que veio pouco depois da conclusão do Concílio Vaticano II para encorajar a realização colegial do mistério da Igreja na América Latina; e São João Paulo II,
na sua memorável visita apostólica de 1986. As palavras de ambos
constituem um recurso permanente: as indicações que delinearam e a
síntese maravilhosa que ofereceram sobre o nosso ministério episcopal
constituem um patrimônio a preservar. Aquilo que eu vos disser, gostaria
que fosse recebido em continuidade com o que eles ensinaram.
Guardiões e sacramento do primeiro passo
«Dar o primeiro passo» é o lema da minha visita e constitui também a
minha primeira mensagem para vós. Bem sabeis que Deus é o Senhor do
primeiro passo. Ele sempre nos antecede. Toda a Sagrada Escritura fala
de Deus como exilado de Si mesmo por amor. Foi assim quando só havia
trevas, caos e, saindo de Si mesmo, fez com que tudo viesse à existência
(cf. Gn 1, 1 – 2, 4); foi assim quando Ele, ao passear no jardim das
origens, Se deu conta da nudez da sua criatura (cf. Gn 3, 8-9); foi
assim quando Ele, peregrino, parou na tenda de Abraão, deixando-lhe a
promessa duma inesperada fecundidade (cf. Gn 18, 1-10); foi assim quando
Se apresentou a Moisés fascinando-o, a ele que não tinha outro
horizonte além de pastorear as ovelhas do seu sogro (cf. Ex 3, 1-2); foi
assim quando não desviou o olhar da sua amada Jerusalém, mesmo se ela
se prostituía no caminho da infidelidade (cf. Ez 16, 15); foi assim
quando emigrou com a sua glória para o meio do seu povo exilado na
escravidão (cf. Ez 10, 18-19).
E, na plenitude do tempo, quis revelar o verdadeiro nome do primeiro
passo, do seu primeiro passo. Chama-se Jesus e é um passo irreversível.
Provém da liberdade de um amor que precede tudo. Porque o Filho, Ele
mesmo, é a expressão viva desse amor. Aqueles que O reconhecem e
acolhem, recebem em herança o dom de ser introduzidos na liberdade de
poderem realizar, sempre n’Ele, esse primeiro passo, não têm medo de se
perder se saem de si mesmos, porque possuem a garantia do amor que
deriva do primeiro passo de Deus, uma bússola que não os deixa
perder-se.
Por isso guardai, com santo temor e emoção, aquele primeiro passo de
Deus rumo a vós e, pelo vosso ministério, rumo ao povo que vos está
confiado, na certeza de ser sacramento vivo daquela liberdade divina que
não tem medo de sair de si mesma por amor, que não teme empobrecer
quando se dá, que não precisa de outra força além do amor.
Deus precede-nos: somos ramos e não a videira. Portanto, não
silencieis a voz d’Aquele que vos chamou, nem vos iludais de que sejam a
soma das vossas pobres virtudes ou os elogios dos poderosos de turno
que asseguram o resultado da missão que Deus vos confiou. Ao contrário,
mendigai na oração quando não puderdes dar nem dar-vos, para terdes algo
a oferecer àqueles que constantemente se aproximam do vosso coração de
Pastores. A oração na vida do Bispo é a seiva vital que passa através da
videira, sem a qual o ramo murcha tornando-se infrutífero. Por isso,
lutai com Deus – e mais ainda na noite da sua ausência – até que Ele vos
abençoe (cf. Gn 32, 25-27). As feridas desta batalha diária e
prioritária na oração serão fonte de cura para vós; sereis feridos por
Deus para vos tornardes capazes de curar.
Tornar visível a vossa identidade de sacramento do primeiro passo de Deus
Na verdade, tornar palpável a identidade de sacramento do primeiro
passo de Deus exigirá um êxodo interior contínuo. «De fato não há
convite para amar mais eficaz do que ser os primeiros a amar» (Santo Agostinho, De catechizandis rudibus, I, 4.7, 26: PL 40), pelo que nenhum campo da missão episcopal pode prescindir desta liberdade de realizar o primeiro passo. A condição que torna possível o exercício do ministério apostólico é a prontidão em nos aproximarmos de Jesus, deixando para trás «o que fomos, para podermos ser o que não éramos» (Idem, Enarratio in Psalmos, 121, 12: PL 36).
Recomendo-vos que vigieis, individual e colegialmente, dóceis ao
Espírito Santo, sobre este ponto de partida permanente. Sem este núcleo,
definham os traços do Mestre no rosto dos discípulos, a missão
bloqueia-se e diminui a conversão pastoral, que mais não é do que dar
resposta à urgência do anúncio do Evangelho da alegria
hoje, amanhã e no dia seguinte (cf. Lc 13, 33), solicitude que devorou o
coração de Jesus, deixando-O sem ninho nem abrigo, entregue unicamente à
realização até ao fim da vontade do Pai (Lc 9, 58.62). Que outro futuro
podemos perseguir? A que outra dignidade podemos aspirar?
Não vos meçais com o metro daqueles que quereriam que fosseis apenas uma casta de funcionários submetidos à ditadura do presente
Não vos meçais com o metro daqueles que quereriam que fosseis apenas
uma casta de funcionários submetidos à ditadura do presente. Ao
contrário, mantende o olhar sempre fixo na eternidade d’Aquele que vos
escolheu, prontos a receber o julgamento decisivo dos seus lábios.
Na complexidade do rosto desta Igreja colombiana, é muito importante preservar a singularidade das suas diferentes e legítimas forças, as sensibilidades
pastorais, as peculiaridades regionais, as memórias históricas, as
riquezas das peculiares experiências eclesiais. O Pentecostes permite
que todos escutem na própria língua.
Por isso, procurai com perseverança a comunhão entre vós. Nunca vos
canseis de a construir através do diálogo franco e fraterno, condenando
como uma peste os projetos escondidos. Sede solícitos a dar o primeiro
passo, de um para o outro. Antecipai-vos na disponibilidade a
compreender as razões do outro. Deixai-vos enriquecer com aquilo que o
outro vos pode oferecer e construí uma Igreja que ofereça a este país um
testemunho eloquente de quanto se pode progredir quando se está
disposto a não ficar nas mãos de poucos. O papel das Províncias Eclesiásticas
relativamente à própria mensagem evangelizadora é fundamental, porque
as vozes que a proclamam são diversas e harmonizadas. Por isso não vos
contenteis com um medíocre compromisso mínimo, que deixe os resignados
na tranquila quietude da sua impotência, enquanto se domesticam aquelas
esperanças que precisariam da coragem de ser fundadas mais na força de
Deus do que na própria debilidade.
Reservai uma sensibilidade particular às raízes afro-colombianas do
vosso povo, que tão generosamente têm contribuído para desenhar o rosto
desta terra.
Tocar a carne do corpo de Cristo
Convido-vos a não vosso povo ter medo de tocar a carne ferida da
vossa história e da história do vosso povo. Fazei-o com humildade, sem a
vã pretensão de protagonismo mas com o coração indiviso, livre de
comprometimentos ou servilismos. Só Deus é o Senhor e, a nenhuma outra
causa, se deve submeter a nossa alma de Pastores.
A Colômbia precisa da vossa visão, própria de
Bispos, a fim de a apoiar na coragem do primeiro passo para a paz
definitiva, a reconciliação, o repúdio da violência como método, a
superação das desigualdades que são a raiz de tantos sofrimentos, a
renúncia ao caminho fácil mas sem saída da corrupção, a consolidação
paciente e perseverante da res publica que requer a superação da miséria
e da desigualdade.
Trata-se duma tarefa árdua mas irrenunciável: os caminhos são
íngremes e as soluções não são óbvias. Da altura de Deus, que é a cruz
do seu Filho, obtereis a força; com a luzinha humilde dos olhos do
Ressuscitado, percorrereis o caminho; escutando a voz do Esposo que
sussurra ao coração, recebereis os critérios para discernir de novo, em
cada incerteza, a justa direção.
«Não imaginava que fosse mais fácil começar uma guerra do que terminá-la» (Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão, cap. 9)
Um dos vossos ilustres literatos escreveu, referindo-se a um dos seus
personagens míticos: «Não imaginava que fosse mais fácil começar uma
guerra do que terminá-la» (Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão,
cap. 9). Todos sabemos que a paz exige dos homens uma coragem moral
peculiar. A guerra deriva de quanto há de mais baixo no nosso coração;
ao contrário, a paz impele-nos a ser maiores do que nós mesmos. Em
seguida, o escritor acrescentava: «Não pensava que seriam precisas
tantas palavras para explicar o que se sentia na guerra; na realidade,
bastava uma só: medo» (Ibid., cap. 15).
Não é necessário que vos fale de tal medo, raiz envenenada, fruto amargo e herança nefasta de todo o conflito. Desejo encorajar-vos a continuar a acreditar que se pode agir doutra maneira, lembrando que não recebestes um espírito de escravos para recair no temor; o próprio Espírito atesta que sois filhos destinados à liberdade da glória que lhes está reservada (cf. Rm 8, 15-16).
Não é necessário que vos fale de tal medo, raiz envenenada, fruto amargo e herança nefasta de todo o conflito. Desejo encorajar-vos a continuar a acreditar que se pode agir doutra maneira, lembrando que não recebestes um espírito de escravos para recair no temor; o próprio Espírito atesta que sois filhos destinados à liberdade da glória que lhes está reservada (cf. Rm 8, 15-16).
Com os vossos próprios olhos, vedes e conheceis, como poucos, a
deformação do rosto deste país; sois guardiões dos elementos
fundamentais que o tornam uno, apesar das suas lacerações. Por isso
mesmo, a Colômbia precisa de vós para se reconhecer no
seu verdadeiro rosto cheio de esperança não obstante as suas
imperfeições, para se perdoarem uns aos outros não obstante as feridas
ainda não totalmente cicatrizadas, para acreditar que se pode percorrer
outro caminho mesmo quando a inércia impele a repetir os mesmos erros,
para ter a coragem de superar tudo aquilo que a pode fazer miserável não
obstante os seus tesouros.
Encorajo-vos, pois, a que não vos canseis de fazer de cada uma das
vossas Igrejas um ventre de luz, capaz de gerar, mesmo sofrendo a
pobreza, as novas criaturas de que esta terra necessita. Refugiai-vos na
humildade do vosso povo para vos dardes conta dos seus secretos
recursos humanos e de fé, escutai quanto a sua espoliada humanidade
brama pela dignidade que só o Ressuscitado pode conferir. Não tenhais
medo de emigrar das vossas aparentes certezas à procura da verdadeira
glória de Deus, que é o homem vivo.
A palavra da reconciliação
«Não pensava que seriam precisas tantas
palavras para explicar o que se sentia na guerra; na realidade, bastava
uma só: medo» (Ibid., cap. 15)
Muitos podem dar a sua contribuição para os desafios desta nação, mas
a vossa missão é peculiar. Não sois técnicos nem políticos; sois
Pastores. Cristo é a palavra de reconciliação escrita
nos vossos corações e tendes a força para a poder pronunciar nos
púlpitos, nos documentos eclesiais ou nos artigos dos periódicos, e mais
ainda no coração das pessoas, no santuário secreto das suas
consciências, na ardente esperança que os atrai quando escutam a voz do
céu que proclama: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens
do seu agrado» (Lc 2, 14). Deveis pronunciá-la com o recurso frágil,
humilde mas invencível da misericórdia de Deus, a única capaz de abater o orgulho cínico dos corações autorreferenciais.
À Igreja, a única coisa que lhe interessa é a
liberdade de pronunciar esta Palavra. Não servem alianças com uma parte
ou com a outra, mas a liberdade de falar ao coração de todos. É
precisamente aqui que tendes a autonomia de desinquietar, a
possibilidade de sustentar uma inversão de rota.
O coração humano, muitas vezes iludido, concebe o projeto insensato
de fazer da vida um aumento contínuo de espaços para depositar o que
acumula. É precisamente aqui que é necessário que ressoe a pergunta: Que
aproveita ganhar o mundo inteiro, se fica o vazio na alma (cf. Mt 16,
26)?
Pelos vossos lábios de legítimos Pastores de Cristo, que sois, a
Colômbia tem o direito de ser interpelada pela verdade de Deus, que
repete continuamente: «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). É um
interrogativo que não pode ser silenciado, mesmo quando o ouvinte não
mais pode fazer que baixar o olhar, confundido, e balbuciar a sua
própria vergonha por tê-lo vendido, quem sabe, pelo preço dalguma dose
de estupefaciente ou por alguma equívoca concepção de Estado, talvez
pela consciência errada de que o fim justifica os meios.
Peço-vos para manterdes o olhar sempre fixo no homem concreto. Não
sirvais um conceito de homem, mas a pessoa humana amada por Deus, feita
de carne e osso, história, fé, esperança, sentimentos, decepções,
frustrações, dores, feridas, e vereis que esta visão concreta do homem
desmascara as estatísticas frias, os cálculos manipulados, as
estratégias cegas, as informações falseadas, lembrando-vos de que, «na
realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se
esclarece verdadeiramente» (Gaudium et spes, 22).
Uma Igreja em missão
Os sacerdotes carecem, com vital e urgente necessidade, da proximidade física e afetiva do seu Bispo. Precisam de sentir que têm um pai
Tendo em conta o generoso trabalho pastoral que já realizais, deixai
que vos apresente alguns anseios que trago no meu coração de Pastor,
movido pelo desejo de vos exortar a ser cada vez mais uma Igreja em
missão. Os meus Predecessores já insistiram sobre alguns destes
desafios: a família, a vida, os jovens, os sacerdotes, as vocações, os
fiéis-leigos, a formação. Os decênios transcorridos, apesar do enorme
trabalho realizado, talvez tenham tornado ainda mais fadigosas as
respostas para tornar a maternidade da Igreja eficaz na geração, nutrição e acompanhamento dos seus filhos.
Penso nas famílias colombianas, na defesa da vida
desde o ventre materno até ao seu termo natural, na praga da violência e
do alcoolismo difusa tantas vezes nas famílias, na fragilidade do
vínculo matrimonial e na ausência do pai de família com as suas trágicas
consequências de insegurança e orfandade.
Penso em tantos jovens ameaçados pelo vazio da alma e arrastados pela
evasão da droga, pelo estilo de vida fácil ou pela tentação subversiva.
Penso nos numerosos e generosos sacerdotes e no desafio de os apoiar na
opção fiel e diária por Cristo e pela Igreja, enquanto alguns outros
continuam a viver a comoda neutralidade de quem não opta por nada para
ficar na solidão de si mesmo.
Penso nos fiéis-leigos espalhados por todas as Igrejas particulares, perseverando fadigosamente para se deixar congregar por Deus, que é comunhão, mesmo quando não poucos proclamam o novo dogma do egoísmo e da morte de toda a solidariedade. Penso no esforço imenso de todos por aprofundar a fé e torná-la luz viva para os corações e lâmpada para dar o primeiro passo.
Penso nos fiéis-leigos espalhados por todas as Igrejas particulares, perseverando fadigosamente para se deixar congregar por Deus, que é comunhão, mesmo quando não poucos proclamam o novo dogma do egoísmo e da morte de toda a solidariedade. Penso no esforço imenso de todos por aprofundar a fé e torná-la luz viva para os corações e lâmpada para dar o primeiro passo.
Não vos trago receitas nem quero deixar-vos uma lista de tarefas.
Não tenhais medo de levantar serenamente a
voz, para lembrar a todos que uma sociedade, que se deixe seduzir pela
miragem do narcotráfico, arrasta aquela metástase moral que mercantiliza
o inferno e semeia a corrupção por toda a parte e, ao mesmo tempo,
engorda os paraísos fiscais
No fundo, gostaria de vos pedir que, realizando em comunhão a vossa gravosa missão de Pastores na Colômbia,
conserveis a serenidade. Bem sabeis que, de noite, o maligno continua a
semear o joio, mas tende a paciência do Senhor do campo, confiando na
boa qualidade das vossas sementes. Aprendei com a sua longanimidade e
magnanimidade. Os seus tempos são longos, porque é incomensurável o seu
olhar de amor. Quando o amor é reduzido, o coração torna-se impaciente,
turbado pela ânsia de fazer coisas, devorado pelo medo de ter falido.
Sobretudo acreditai na humildade da semente de Deus. Confiai na força
oculta do seu fermento. Orientai o coração para aquele fascínio
estupendo que atrai e leva a vender tudo para se possuir este tesouro
divino.
De fato, que podeis oferecer de mais forte à família colombiana do que a força humilde do Evangelho
do amor generoso que une o homem e a mulher, constituindo-os imagem da
união de Cristo com a sua Igreja, transmissores e guardiões da vida? As
famílias precisam de saber que, em Cristo, podem tornar-se árvores
frondosas capazes de oferecer sombra, dar fruto em todas as estações do
ano, abrigar a vida entre os seus ramos. Hoje há muitos que prestam
homenagem a árvores sem sombra, infecundas, ramos desprovidos de ninhos.
Quanto a vós, o ponto de partida seja o testemunho alegre de que a
felicidade está noutro lugar.
Que podeis oferecer aos vossos jovens? Eles querem
sentir-se amados, desconfiam de quem os desvaloriza, pedem coerência
clara e esperam que os empenhem. Acolhei-os, pois, com o coração de
Cristo e abri-lhes espaço na vida das vossas Igrejas. Não participeis em
qualquer conluio que lese as suas esperanças. Não tenhais medo de
levantar serenamente a voz, para lembrar a todos que uma sociedade, que
se deixe seduzir pela miragem do narcotráfico, arrasta aquela metástase
moral que mercantiliza o inferno e semeia a corrupção por toda a parte
e, ao mesmo tempo, engorda os paraísos fiscais.
Que podereis dar aos vossos sacerdotes? O primeiro dom é o da vossa
paternidade, garantindo-lhes que a mão que os gerou e ungiu não se
retirou da sua vida. Vivemos na era da informática e não vos será
difícil alcançar os vossos sacerdotes em tempo real, através de algum
programa de mensagens. Mas o coração dum pai, dum Bispo,
não se pode limitar a uma comunicação precária, impessoal e externa com
o seu presbitério. Não pode desaparecer do coração do Bispo a
preocupação pela vida que levam os seus sacerdotes. Vivem
verdadeiramente segundo Jesus? Ou improvisaram outras seguranças, como a
estabilidade econômica, a ambiguidade moral, a vida dupla ou a
aspiração míope pela carreira? Os sacerdotes carecem, com vital e
urgente necessidade, da proximidade física e afetiva do seu Bispo.
Precisam de sentir que têm um pai.
Não considereis os religiosos e religiosas como «recursos úteis» para as obras apostólicas
Sobre as costas dos sacerdotes,
pesa frequentemente a fadiga do trabalho diário da Igreja. Encontram-se
na vanguarda, continuamente circundados de pessoas que, abatidas,
procuram neles o rosto do Pastor. As pessoas aproximam-se e batem à
porta do seu coração. Eles devem dar de comer às multidões, e o alimento
de Deus não é jamais uma propriedade da qual se possa dispor
incondicionalmente. Pelo contrário, provém apenas da indigência posta em
contato com a bondade divina. Despedir a multidão e alimentar-se do
pouco que cada um possa indevidamente apropriar-se é uma tentação
permanente (cf. Lc 9, 12-13).
Por isso, vigiai sobre as raízes espirituais dos vossos sacerdotes.
Conduzi-los continuamente até àquela Cesareia de Filipe, onde possam,
desde as origens do Jordão de cada um, escutar de novo a pergunta de
Jesus: «Para ti, Quem sou Eu?» A razão do gradual deterioramento, que
muitas vezes leva à morte do discípulo, está sempre num coração que já
não pode responder: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo» (cf. Mt 16,
13-16). A partir disso, esmorece a coragem da irreversibilidade do dom
de si mesmo e deriva também a desorientação interior, o cansaço dum
coração que já não sabe acompanhar o Senhor no seu caminho para
Jerusalém.
De modo especial cuidai do itinerário de formação dos vossos
sacerdotes, desde o nascimento da chamada de Deus nos seus corações. A
nova Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis,
recentemente publicada, constitui um recurso valioso, à espera de
aplicação, para que a Igreja na Colômbia esteja à altura do dom de Deus
que nunca cessou de chamar muitos dos seus filhos ao sacerdócio.
Não transcureis, por favor, a vida dos consagrados e consagradas.
Constituem o safanão querigmático a todo o mundanismo, sendo chamados a
queimar qualquer refluxo de valores mundanos no fogo das
Bem-aventuranças vividas sine glosa e no total abaixamento de si mesmos
no serviço. Não os considereis como «recursos úteis» para as obras
apostólicas; antes, sabei reconhecer neles o grito do amor consagrado da
Esposa: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20).
A mesma preocupação formadora deve ser reservada aos fiéis-leigos,
de quem depende não só a solidez das comunidades de fé, mas também
grande parte da presença da Igreja nos campos da cultura, da política,
da economia. Formar na Igreja significa pôr-se em contato com a fé
ardente da comunidade viva, penetrar num patrimônio de experiências e
respostas suscitadas pelo Espírito Santo, porque é Ele que ensina todas
as coisas (cf. Jo 14, 26).
Penso sobretudo na arcana sabedoria dos povos
indígenas da Amazônia, interrogando-me se ainda somos capazes de
aprender deles a sacralidade da vida, o respeito pela natureza, a
consciência de que a razão instrumental não é suficiente para colmar a
vida do homem e dar resposta aos seus interrogativos mais inquietantes
Gostaria de dedicar um pensamento aos desafios da Igreja na Amazônia,
uma região da qual justamente vos sentis orgulhosos, porque é parte
essencial da maravilhosa biodiversidade deste país. A Amazônia
constitui, para todos nós, um teste decisivo para verificar se a nossa
sociedade, quase sempre confinada no materialismo e no pragmatismo, está
em condições de salvaguardar o que recebeu gratuitamente, não para o
espoliar, mas para o fazer frutificar. Penso sobretudo na arcana sabedoria dos povos indígenas da Amazônia,
interrogando-me se ainda somos capazes de aprender deles a sacralidade
da vida, o respeito pela natureza, a consciência de que a razão
instrumental não é suficiente para colmar a vida do homem e dar resposta
aos seus interrogativos mais inquietantes.
Por isso, convido-vos a não abandonar a si mesma a Igreja na Amazônia.
A consolidação dum rosto amazônico para a Igreja que peregrina aqui é
um desafio para todos vós, que depende do crescente e consciencioso
apoio missionário de todas as dioceses colombianas e de todo o seu
clero. Ouvi dizer que, nalgumas línguas nativas da Amazônia, para
referir a palavra «amigo», usa-se a expressão «o outro meu braço». Sede,
pois, o outro braço da Amazônia. A Colômbia não a pode amputar, sem
ficar mutilada no seu rosto e na sua alma.
Queridos irmãos!
Convido-vos agora a voltarmo-nos espiritualmente para Nossa Senhora do Rosário de Chiquinquirá,
cuja imagem tivestes a delicadeza de trazer do seu Santuário até à
magnífica Catedral desta cidade para que também eu a pudesse contemplar.
Como bem sabeis, a Colômbia não pode conseguir por
si mesma a verdadeira Renovação por que aspira, mas é-lhe concedida do
Alto. Então supliquemo-la ao Senhor, por intermédio da Virgem Nossa
Senhora.
Da mesma forma que, em Chiquinquirá, Deus renovou o
esplendor do rosto da sua Mãe, assim continue a iluminar, com a sua luz
celeste, o rosto deste país inteiro e abençoe a Igreja na Colômbia com a sua benévola companhia.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/571487-nao-tenham-medo-de-medo-de-tocar-a-carne-ferida-da-vossa-historia-e-da-historia-do-vosso-povo-diz-o-papa-francisco-aos-bispos-colombianos
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