O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou o pedido de habeas corpus para o jovem Rafael Braga Vieira, no caso de sua condenação a 11 anos por porte de drogas e tráfico, e a defesa vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.
Já não é possível dizer que o caso de Rafael Braga Vieira seja desconhecido. A imprensa no Brasil e no mundo
acompanha e noticia sua história a cada julgamento. O Instituto Tomie
Ohtake, uma das salas de arte mais importantes do país, está com uma exposição em sua homenagem e cada vez mais artistas o citam em seus shows e espetáculos. A filósofa Ângela Davis, em recente passagem pela Bahia posou para foto com camisa do Rafael. Há quatro anos, ele conta com o apoio direto da Campanha Pela Liberdade de Rafael Braga Vieira,
grupo que se reúne nas escadarias da Cinelândia, no Rio, para discutir o
caso, acompanhar, organizar mobilizações e demais estratégias.
Ainda assim, o jovem negro e pobre,
preso no contexto das manifestações de 2013 e com uma nova condenação
por tráfico em abril de 2017, segue na prisão. As sistemáticas recusas
do Judiciário do Rio em absolver Rafael Braga entram e saem mais ou
menos em evidência na medida em que algum fato faz com que ele seja
inevitavelmente comparado. O mais recente foi o surpreendente (e
vergonhoso) caso em que a desembargadora Tânia Garcia Freitas,
presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul, foi
pessoalmente tirar o filho, o empresário Breno Borges, de 37 anos, da
prisão. Breno cumpria pena por prisão em flagrante portando 130 quilos
de maconha, além de munição.
A comparação com Rafael Braga é inevitável, considerando-se que ele foi preso com 0,6g de maconha, 9,3 g de cocaína e um morteiro na mochila.
Breno Borges tem também contra ele gravações de conversas em que ele ajudaria na fuga
de um detento em Três Lagoas. Mas nada disso fez diferença sobre a
mudança de compreensão de que seu caso era de internação e tratamento, e
não punição e encarceramento. Nem de longe o jovem negro e pobre teve
esta possibilidade.
Surdez do judiciário
Já não se trata mais de o Brasil não ser para principiantes. O Brasil (e suas instituições de poder) não é para insignificantes.
Só isso explica a surdez do Judiciário do Rio sobre o Rafael Braga. A
elite brasileira não aceita e não perdoa insignificantes: essa gente
preta, pobre, iletrada, de moradia precária; indígenas “incivilizados”;
camponeses broncos, cuidadores de pequenas e paupérrimas terras. Gente
que não tem nada a oferecer. E a elite brasileira é sobretudo medíocre,
não importa que cargo de que área ela ocupe ou conquiste. No Brasil, os
privilegiados do poder não conquistam espaço, eles colonizam. A classe
média alta brasileira é medíocre, não importa que lugar ocupe. Talvez
esta seja uma das razões para agirem como agem com o poder como se ele
fosse feudo particular, e não serviço em defesa da justiça e zelo pelo
comum.
A classe de juízes, desembargadores, procuradores, não está livre da mediocridade e da compreensão elitista e burguesa de que o poder da função é seu poder pessoal.
A classe do Judiciário, não de hoje, é
a classe mais perigosa quanto ao risco social, exatamente por lidarem
com aquele poder que, em tese, é o último a se recorrer quando os demais
poderes se impõem. A classe de juízes, desembargadores, procuradores,
não está livre da mediocridade e da compreensão elitista e burguesa de
que o poder da função é seu poder pessoal, e que tal poder não está em
defesa do comum, mas em defesa da preservação do seu poder, e em defesa
dos seus. A indignação causada pelo abuso de autoridade da
desembargadora Tânia Freitas, torna-se apenas mais uma indignação em
meio a tantas.
O que pensar do caso do índio Galdino dos Santos, em 1997, em Brasília?
Como esquecer que cinco jovens da alta casta de Brasília incendiaram o
corpo do índio enquanto ele dormia, num ponto de ônibus? Um deles,
Antônio Novely Vilanova, na época com 19 anos, é filho de juiz federal.
Os quatro (um era menor) só foram condenados quatro anos depois. O
outro, Max Rogério Alvez, na época com 16 anos, passou em concurso
e tomou posse como servidor do Tribunal de Justiça de Brasília em 2016.
Foi o mesmo órgão que o condenou há mais de uma década, mas como ele
também pertence à casta, está tudo em casa.
Em São Luís, Maranhão, em 2015, o estudante Denys Martins Cavalcante, atropelou um pedestre numa avenida da cidade.Foi
preso em flagrante e solto horas depois,sem pagar fiança. Denys é filho
de um influente juiz da cidade, não prestou socorro à vítima ou apoio à
família. Foi preso tentando fugir.
É importante lembrar que, no caso da condenação de Rafael Braga, o juiz Ricardo Coronha diz ter se baseado única e exclusivamente no depoimento dos policiais.
Não aceitou testemunhas, negou diligências da defesa do jovem e se deu
por satisfeito com o testemunho dos policiais que efetivaram a prisão e
agrediram Rafael. O juiz, alegou crer no compromisso destes com a
verdade e a instituição.
O que faremos com todos os casos conhecidos, via imprensa, em que policiais forjam cena de crime,
ocultam corpos e mentem sobre conflitos que não houveram, para
legitimarem os casos de “autos de resistência”? Apenas quando se trata
de “insignificantes” isso não faz diferença.
E o que dizer do juiz João Carlos de Souza Correa,
que, em 2011, ao ser parado em blitz, se sentiu ofendido ao resistir à
abordagem e ter ouvido da agente Luciana Tamburini que ele “não era
Deus”?
Ciente da casta à qual pertence, o juiz chegou a dar voz de prisão à agente, que depois foi condenada a indenizar o magistrado em R$ 5 mil, que conseguiu com ajuda de amigos e pessoas que ficaram indignadas com o caso.
Por tudo isso, uma desesperança vai tomando conta dos que acompanham o caso de Rafael Braga. Porque ele não é o único. Ele pode ser emblemático, mas não é único.
Estamos reféns de um poder que circula em meio a uma casta medíocre e
militarizada, que dorme em berços privilegiados à noite e julgam
sujeitos “insignificantes de dia”. O corporativismo do Judiciário
brasileiro dificulta a abertura de diálogo com as pressões populares e a
busca pela razoabilidade em julgamentos em que, na pessoa do acusado, a
falta de provas é nítida, o racismo se destaca e a criminalização da
pobreza é inegável.
Liberdade para Rafael Braga!
Disponível em: https://theintercept.com/2017/08/08/rafael-braga-e-insignificante-para-o-judiciario-que-se-comporta-como-casta-corporativista/
Nenhum comentário:
Postar um comentário