O Papa neste domingo (27): Igreja precisa ser sempre reformada
O Papa fez neste domingo (27) um dos discursos mais explicitamente eclesiológicos de seu pontificado -referente a ekklesia, assembleia, palavra de onde se origina igreja. Na oração do meio-dia (o Ângelus),
Francisco rejeitou as concepções conservadoras sobre a Igreja,
consagradas por seus antecessores, e afirmou neste domingo (27) que ela é
de todos, e não do clero, feita por “todos nós” que “nos tornamos
‘pedras vivas’”. Além disso, afastou a ideia da Igreja como “sociedade
perfeita”, alentada pelos restauracionistas e afirmou que ela “sempre
precisa ser reformada, reparada”, pois mesmo “com fundamentos sólidos”,
tem “rachaduras, como nos tempos de são Francisco de Assis”.
O discurso foi todo voltado ao Evangelho deste que é o 21° Domingo do
Tempo Comum, que relata um diálogo entre Jesus e seus discípulos, no
qual ele indaga a visão dos seguidores sobre si (aqui
ou no final). Ao remeter a são Francisco, o Papa, sem o mencionar
diretamente referiu-se a uma das passagens mais conhecidas da vida do poverello de
Assis, em 1205, quando, depois de um período de oração na pequenina e
semidestruída igreja de São Damião, escutou uma voz saindo de um
crucifixo bizantino caído ao lado do altar: “Vai, Francisco, e repara a
minha casa que está em ruínas.” Dez séculos antes do Francisco, que lhe
inspirou o nome papal, o Francisco de hoje encontrou uma Igreja também
em ruínas, numa crise brutal.
Na conversa de Jesus com seus amigos, ao indagar de si “o Mestre
esperava dos seus uma resposta alta e diferente daquelas da opinião
pública”, afirmou Francisco, rejeitando as imagens de um Cristo
soberano, cheio de poder e punitivo. “Simão Pedro encontra em seus
lábios palavras que são maiores do que ele, palavras que não vem de suas
capacidades naturais. Talvez ele não tenha feito a escola fundamental, e
é capaz de dizer estas palavras, mais fortes do que ele! Mas são
inspiradas pelo Pai celeste, que revela ao primeiro dos Doze a
verdadeira identidade de Jesus”.
Nesta caminhada a partir dos pobres e simples e repleta de falhas
edificou-se a Igreja dos seguidores de Jesus, onde todos, sem distinção
entre leigos, leigas e hierarquia eclesial, são igualmente “pedras
vivas”, na eclesiologia do Papa. Para Francisco, a partir da visão
retomada no Vaticano II, a Igreja “é uma comunidade de vida, feita de
muitíssimas pedras, todas diferentes, que formam um único edifício no
signo da fraternidade e da união”.
Francisco tem seguidamente afirmado que a concepção clerical dos
conservadores sobre a Igreja é uma das maiores causas da crise atual. A
restauração de tal concepção foi formalizada em 1985, no Sínodo dos
Bispos convocados por João Paulo II e liderado pelo então cardeal Joseph
Ratzinger, no qual se buscou revogar dois conceitos- chave do Concílio
Vaticano II: a Igreja como Povo de Deus (Lumen Gentium 9) e simultaneamente santa e pecadora (LG 8).
Retomaram-se as formulações pré-conciliares, segundo as quais a
Igreja seria uma “sociedade perfeita” edificada sobre o clero. Os
conservadores, a partir de Wojtyla e Ratzinger, assumiram como
referência de sua eclesiologia formulações como as de Giuseppe Sarto, o
Papa Pio X (1903-1914), um dos ícones do conservadorismo católico. Em
sua encíclica Vehementer nos,
ele definiu a Igreja em 1906 como “o Corpo místico de Jesus constituído
de Pastores e Doutores, uma sociedade de homens em que se encontram
líderes que têm poderes plenos e perfeitos para governar, ensinar e
julgar, o que resulta que a Igreja é por sua natureza uma sociedade
inigualável, uma sociedade formada por duas categorias de pessoas: os
Pastores e o Rebanho”. Para Pio X, “estas categorias são claramente
distintas entre si, e somente no corpo pastoral residem o direito e a
autoridade necessários para promover e dirigir todos os membros de
acordo com os objetivos da sociedade; quanto à multidão, ele não tem
outro dever que o de se deixar guiar e seguir, como um dócil rebanho, os
seus Pastores”.
São essas as duas visões eclesiológicas (de Igreja) que estão em
confronto no momento. Francisco retoma a tradição das primeiras
comunidades e do Vaticano II, enquanto os conservadores lutam
encarniçadamente para manter o poder nas mãos da hierarquia que promove a
visão da Igreja de “pastores” e “dócil rebanho”.
Mauro Lopes, com informações de Rádio Vaticano, Religion Digital e Vatican Insider
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Disponível em: http://outraspalavras.net/maurolopes/2017/08/27/papa-igreja-e-de-todos-e-cheia-de-falhas-como-no-tempo-de-sao-francisco/
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