Coroação de Espinhos, 1622-3, Dirck van Baburen (1595-1624)
Alberto Maggi é um biblista italiano excepcional. Ele bebe da mesma
fonte da teologia latino-americana, especialmente da Teologia da
Libertação: a busca incessante da originalidade da mensagem de Jesus. É
sacerdote, religioso da Ordem dos Servos de Maria e diretor do Centro de Estudos Bíblicos G. Vannucci, localizado na minúscula aldeia de Montefano, na região do Marche, na Itália, de pouco mais de 3 mil habitantes.
Os padres Júlio Lancelotti e Francisco Cornélio são dois dos mais entusiasmados divulgadores de sua obra, no Brasil. Há três de seus livros editados no país: A loucura de Deus – O Cristo de João (Paulus, 2015), Nossa Senhora dos Heréticos (Paulinas, 1991) e Jesus e Belzebu, Satanás e Demônios (Santuário, 2003).
No artigo a seguir, Maggi escreve sobre a perseguição aos seguidores
de Jesus: “Para o cristão, se ele for fiel ao Senhor e à sua mensagem, a
perseguição, em suas mais variadas formas, abertas ou mascaradas,
veladas ou evidentes, está sempre presente”. A razão é meridiana: “O
mundo corteja e recompensa aqueles que não o incomodam, mas desencadeia
toda sua ferocidade contra aqueles que, com sua própria existência são
uma clara denúncia da injustiça do sistema”.
O biblista italiano indica que Jesus libertou a pessoa do cabresto da
religião institucional: “Jesus, emancipando o homem da religião, das
leis e das prescrições que regulavam a relação com a divindade – quer
dizer, de tudo o que o crente era obrigado a fazer para agradar a seu
deus – tem favorecido o desenvolvimento e o crescimento da pessoa. A
maturidade, de fato, só acontece na afirmação crescente da própria
liberdade de pensamento e autonomia de movimento sem ter que ser sujeito
a restrições religiosas.” Por isso, as elites das religiões
institucionais no âmbito do cristianismo têm perseguido sistematicamente
as pessoas que desejam seguir os passos do Mestre, apropriando-se da
liberdade que Jesus estimulou: “Essa liberdade é intolerável pela
religião, que, para existir, deve dominar as pessoas, torná-las
submissas e infantis, sempre necessitadas de uma autoridade superior que
decida o quê e como fazê-lo.”
Mauro Lopes
Leia a íntegra do artigo :
O seguidor de Jesus não se surpreende quando chega a perseguição,
pelo contrário, deve preocupar-se quando ela está ausente: “Ai de vocês,
se todos os elogiam…” (Lc 6,26). Para o cristão, se ele for fiel ao
Senhor e à sua mensagem, a perseguição, em suas mais variadas formas,
abertas ou mascaradas, veladas ou evidentes, está sempre presente:
“Todos os que querem viver dignamente em Cristo Jesus serão perseguidos”
(2 Tm 3,12).
O mundo corteja e recompensa aqueles que não o incomodam, mas
desencadeia toda sua ferocidade contra aqueles que, com sua própria
existência são uma clara denúncia da injustiça do sistema: “Ele se
tornou uma condenação para os nossos pensamentos, e somente vê-lo já é
coisa insuportável. Sua vida não se parece com a dos outros” (Sb 2,
14-15). Sobretudo o poder, especialmente o religioso, não tolera a
existência de pessoas livres, que escapam de seu domínio e não podem ser
controladas. A adesão a Jesus e ao projeto do Pai para a humanidade faz
as pessoas totalmente livres: “Conhecerão a verdade e a verdade
libertará vocês” (Jo 8,32). A liberdade é a condição para a presença do
Espírito, e o Espírito torna o homem cada vez mais livre: “Cristo nos
libertou para que sejamos verdadeiramente livres” (Gl 5,1) e “Onde está o
Espírito do Senhor, aí existe a liberdade” (2 Cor 3,17).
Jesus, emancipando o homem da religião, das leis e das prescrições
que regulavam a relação com a divindade – quer dizer, de tudo o que o
crente era obrigado a fazer para agradar a seu deus – tem favorecido o
desenvolvimento e o crescimento da pessoa. A maturidade, de fato, só
acontece na afirmação crescente da própria liberdade de pensamento e
autonomia de movimento sem ter que ser sujeito a restrições religiosas. É
por isso que Jesus desvinculou seus seguidores das regras típicas da
religião, como as observâncias alimentares, as proibições e interdições:
“Não pegue, não prove, não toque” (Cl 2,21). Jesus não impôs nem
períodos nem dias consagrados ao culto divino, não pediu sacrifícios e
não admitiu que houvessem pessoas consideradas inferiores, reconhecendo
às mulheres a mesma dignidade dos homens (Gl 3,28). Cristo não liga seus
discípulos a leis divinas, mas comunica-lhes o Espírito, isto é o mesmo
amor do Pai, um Deus que não absorve as energias dos humanos, mas
comunica-lhes as Suas!
Essa liberdade é intolerável para religião, que, para existir, deve
dominar as pessoas, torná-las submissas e infantis, sempre necessitadas
de uma autoridade superior que decida o quê e como fazê-lo. Os escravos
sempre têm detestado seus donos, mas ainda maior é a ira daqueles que se
tornaram escravos voluntariamente em comparação às pessoas livres e
independentes!
No evangelho temos o exemplo de Marta e Maria. Marta, mulher que vive
relegada na cozinha, de acordo com o que manda a tradição, não tolera a
liberdade que sua irmã Maria toma, quer dizer, ela si entretém, como um
homem, com o Mestre (Lc 10,38-42). Essa é também a cólera dos “falsos
irmãos, os intrusos que se infiltraram para espionar a nossa liberdade
que temos em Cristo Jesus, afim de nos escravizar” (Gl 2,4).
Aqueles que seguem Jesus, “Luz do Mundo”, não andarão nas trevas, mas
terão a luz da vida (Jo 8,12), enquanto aqueles que vivem nas trevas
odeiam a luz (Jo 3,20). Jesus não convida a fazer qualquer cruzada
contra as trevas, mas pede à Luz de brilhar mais e mais, porque “a luz
brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram apagá-la” (Jo 1,5).
Quem não quer ser perseguido deve renunciar à plenitude da liberdade,
e resignar-se a viver regrado pelas leis e não mais animado pelo
Espírito. Mas, na perseguição, há uma grande certeza: Deus sempre ficará
do lado dos perseguidos (Mt 5,10-11) e nunca do lado daqueles que
perseguem, mesmo se eles pretendem fazer isso em seu nome. “E vai chegar
a hora em que alguém, ao matar vocês, pensará que está oferecendo um
sacrifício a Deus” (Jo 16,2). Por isso Jesus garante: “não temais os que
matam o corpo, mas não tem poder de matar a alma” (Mt 10,28).
Disponível em: http://outraspalavras.net/maurolopes/2017/08/22/guerras-de-religiao-e-a-liberdade-que-e-perseguida/
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