terça-feira, 22 de agosto de 2017

FÉ DEMAIS NÃO CHEIRA BEM

Sem a dimensão ética, uma expressão religiosa não pode ser considerada como fé cristã.

É dever cristão a busca pelo bem comum, o que pode passar pela política. Contudo, o que vemos são lobos em peles de cordeiros se utilizando da religião para fica no poder. 
É dever cristão a busca pelo bem comum, o que pode passar pela política. Contudo, o que vemos são lobos em peles de cordeiros se utilizando da religião para fica no poder. 
(Saulo Cruz/Agência Câmara)


Por Felipe Magalhães Francisco*


De largada, peço desculpas aos caros leitores e leitoras pelo trocadilho do título. Ele foi inspirado na versão brasileira do filme Leap of Faith, de 1992, que conta a história de um reverendo que promete milagres e salvação aos fiéis em troca de doações. É um verdadeiro charlatão, que não se difere muito de alguns líderes religiosos – evangélicos e católicos – que podemos acompanhar pela TV, quase que cotidianamente. A “fé” que não cheira bem não é exclusividade de líderes religiosos. As fileiras das igrejas ditas cristãs, tanto católicas quanto evangélicas, estão abarrotadas de falsos religiosos, que não têm nenhum comprometimento com a fé que dizem professar. Sem a dimensão ética, uma expressão religiosa não pode ser considerada como fé cristã.
Uma das chagas abertas nos cristianismos atuais, que coloca todo o valor da mensagem cristã em suspenso, é o não-testemunho, por parte daqueles que são adeptos dessas religiões. É um verdadeiro escândalo que pessoas que se dizem seguidoras de Jesus Cristo, não comprometam sua vida, verdadeiramente, com a causa do Nazareno, compartilhando de seus mesmos sentimentos e atitudes, tal como interpela o apóstolo Paulo. Ora, se é o Espírito de Jesus Ressuscitado que configura a vida dos batizados e batizadas na vida mesma de Cristo, assumir tal papel batismal sem nenhuma responsabilidade não significaria um pecado contra o Espírito, aquele pecado que não tem perdão? Viver, de forma falsa, uma religiosidade que, necessariamente pressupõe engajamento existencial, tal como a fé cristã, é um pecado que coloca em risco todo o anúncio da Boa-Nova do Reino.
Nesse mar de falsas testemunhas do Evangelho, temos visto ganhar cada vez mais força políticos e políticas que se associam à chamada Bancada da Bíblia. Fiéis, evangélicos e católicos, depositam sua confiança em pessoas que partilham da mesma religião, elegendo essas pessoas para cargos públicos, e realizam um verdadeiro desserviço ao país. Essas eleições, frutos da fraternidade criada pela religião, têm colocado o cristianismo numa situação vergonhosa: em nome de um falso deus, esses políticos religiosos causam escândalo, fazendo perecer o Evangelho.
Não significa que o exercício da política, por meio de cargos de representatividade, deva ser realizado apenas por não-religiosos. Não. É dever de todos os cristãos e cristãs se envolverem nas causas que façam valer o bem comum, e isso inclui a participação na política partidária. Mas, infelizmente, o que temos visto, quase que absolutamente, são lobos em peles de cordeiros que, sustentados pela força da religião, descem a níveis cada vez mais baixos, em prol de seus próprios interesses, mais das vezes escusos. Quem não se escandaliza com o fato de que a chamada Bancada Evangélica praticamente inteira tenha votado para livrar Michel Temer da investigação do crime de corrupção? Que cristão e cristã não se assombra com o fato de um parlamentar, como Jair Bolsonaro, dizer que o país precisa ser governado por alguém que ele, o exemplo mais repugnante de um falso religioso, acredita ser um cristão?
Jesus é sensacional, o que atrapalha é o fã clube, diz, mais ou menos, uma pichação de muro por aí. Triste e verdadeira constatação feita, já há tempos, pelo próprio Dalai Lama: se os cristãos vivessem tudo aquilo que está no Evangelho, ele próprio se faria cristão. Nada mais assombroso na vivência religiosa do cristianismo que a falta de testemunho, tornamos a dizer.
Há, por aí, tantos histéricos religiosos, que não se inibem em fazer um escândalo religioso no transporte público, nas ruas e em outros lugares, pregando um deus criado à própria imagem e semelhança, que não é o Deus de Jesus, mas que acreditam ser verdadeiro. Essa fé, que é demais, não cheira nada bem, tal como muitas outras por aí, que são um desserviço à causa do Reino de Deus, proposto no Evangelho. Que tenhamos, pois, uma fé do tamanho de um grão de mostarda: essa, sim, capaz de transportar montanhas, por meio de um saudável testemunho, que pode alcançar o coração dos homens e mulheres de nosso tempo. Sejamos, no mundo, o bom odor de Cristo!


*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com. 

Disponível em:  http://domtotal.com/noticia/1177472/2017/08/fe-demais-nao-cheira-bem/ 

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