Sem a dimensão ética, uma expressão religiosa não pode ser considerada como fé cristã.
É dever cristão a busca pelo bem comum, o que pode passar pela política. Contudo, o que vemos são lobos em peles de cordeiros se utilizando da religião para fica no poder.
(Saulo Cruz/Agência Câmara)
Por Felipe Magalhães Francisco*
De largada, peço desculpas aos caros leitores e leitoras pelo
trocadilho do título. Ele foi inspirado na versão brasileira do filme Leap of Faith,
de 1992, que conta a história de um reverendo que promete milagres e
salvação aos fiéis em troca de doações. É um verdadeiro charlatão, que
não se difere muito de alguns líderes religiosos – evangélicos e
católicos – que podemos acompanhar pela TV, quase que cotidianamente. A
“fé” que não cheira bem não é exclusividade de líderes religiosos. As
fileiras das igrejas ditas cristãs, tanto católicas quanto evangélicas,
estão abarrotadas de falsos religiosos, que não têm nenhum
comprometimento com a fé que dizem professar. Sem a dimensão ética, uma
expressão religiosa não pode ser considerada como fé cristã.
Uma das chagas abertas nos cristianismos atuais, que coloca todo o
valor da mensagem cristã em suspenso, é o não-testemunho, por parte
daqueles que são adeptos dessas religiões. É um verdadeiro escândalo que
pessoas que se dizem seguidoras de Jesus Cristo, não comprometam sua
vida, verdadeiramente, com a causa do Nazareno, compartilhando de seus
mesmos sentimentos e atitudes, tal como interpela o apóstolo Paulo. Ora,
se é o Espírito de Jesus Ressuscitado que configura a vida dos
batizados e batizadas na vida mesma de Cristo, assumir tal papel
batismal sem nenhuma responsabilidade não significaria um pecado contra o
Espírito, aquele pecado que não tem perdão? Viver, de forma falsa, uma
religiosidade que, necessariamente pressupõe engajamento existencial,
tal como a fé cristã, é um pecado que coloca em risco todo o anúncio da
Boa-Nova do Reino.
Nesse mar de falsas testemunhas do Evangelho, temos visto ganhar cada
vez mais força políticos e políticas que se associam à chamada Bancada
da Bíblia. Fiéis, evangélicos e católicos, depositam sua confiança em
pessoas que partilham da mesma religião, elegendo essas pessoas para
cargos públicos, e realizam um verdadeiro desserviço ao país. Essas
eleições, frutos da fraternidade criada pela religião, têm colocado o
cristianismo numa situação vergonhosa: em nome de um falso deus, esses
políticos religiosos causam escândalo, fazendo perecer o Evangelho.
Não significa que o exercício da política, por meio de cargos de
representatividade, deva ser realizado apenas por não-religiosos. Não. É
dever de todos os cristãos e cristãs se envolverem nas causas que façam
valer o bem comum, e isso inclui a participação na política partidária.
Mas, infelizmente, o que temos visto, quase que absolutamente, são
lobos em peles de cordeiros que, sustentados pela força da religião,
descem a níveis cada vez mais baixos, em prol de seus próprios
interesses, mais das vezes escusos. Quem não se escandaliza com o fato
de que a chamada Bancada Evangélica praticamente inteira tenha votado
para livrar Michel Temer da investigação do crime de corrupção? Que
cristão e cristã não se assombra com o fato de um parlamentar, como Jair
Bolsonaro, dizer que o país precisa ser governado por alguém que ele, o
exemplo mais repugnante de um falso religioso, acredita ser um cristão?
Jesus é sensacional, o que atrapalha é o fã clube, diz, mais ou
menos, uma pichação de muro por aí. Triste e verdadeira constatação
feita, já há tempos, pelo próprio Dalai Lama: se os cristãos vivessem
tudo aquilo que está no Evangelho, ele próprio se faria cristão. Nada
mais assombroso na vivência religiosa do cristianismo que a falta de
testemunho, tornamos a dizer.
Há, por aí, tantos histéricos religiosos, que não se inibem em fazer um
escândalo religioso no transporte público, nas ruas e em outros lugares,
pregando um deus criado à própria imagem e semelhança, que não é o Deus
de Jesus, mas que acreditam ser verdadeiro. Essa fé, que é demais, não
cheira nada bem, tal como muitas outras por aí, que são um desserviço à
causa do Reino de Deus, proposto no Evangelho. Que tenhamos, pois, uma
fé do tamanho de um grão de mostarda: essa, sim, capaz de transportar
montanhas, por meio de um saudável testemunho, que pode alcançar o
coração dos homens e mulheres de nosso tempo. Sejamos, no mundo, o bom
odor de Cristo!
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de
Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux,
2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail:
felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
Disponível em: http://domtotal.com/noticia/1177472/2017/08/fe-demais-nao-cheira-bem/
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