Por Maria Berenice Dias
Gostaria de fazer-lhes uma colocação. Mais do que
isso, um desabafo: Vossas Excelências acabaram de me subtrair o direito à
felicidade.
De primeiro esclareço ser absolutamente favorável à
equiparação levada a efeito entre casamento e união estável (RE 878.694,
Rel. Min. Roberto Barroso, j. 10/05/2017). Em face da mesma e especial
proteção assegurada pela Constituição da República às entidades
familiares, o princípio da igualdade não permite mesmo tratamento
diferenciado entre casamento e união estável. Deste modo, quando morre
um dos cônjuges ou um dos companheiros, descabido que a parte da herança
que o sobrevivente irá receber, a título de concorrência sucessória,
seja calculada de modo diverso, exclusivamente em razão da forma de
constituição do vínculo de convívio.
Os integrantes da entidade familiar não podem ter
direitos diferenciados pelo só fato de terem comparecido ao cartório
civil ou ao tabelionato. Tanto o casamento como a união estável geram
iguais efeitos patrimoniais que precisam ser solvidos quando da sua
extinção.
De outro lado, o fato de o objeto da ação dizer com o
direito de concorrência sucessória, não limita o reconhecimento da
inconstitucionalidade apenas com relação a este instituto. Seus efeitos
se alastram a toda a desequiparação por acaso existente no direito
sucessório, das famílias, previdenciários etc.
Esta interpretação abrangente, ao contrário do que
muitos sustentam, não afronta o princípio da liberdade e nem se
confronta com o respeito à autonomia da vontade. As pessoas são livres
para ficarem só ou viverem com alguém. No momento que optam em ter
alguém para chamar de seu, constituem uma entidade familiar que gera
direitos e obrigações, independente da forma de sua constituição:
casamento ou união estável.
Até aqui, nada a objetar.
O grande equívoco perpetrado no julgamento diz com a
eleição da base de cálculo para apurar o direito de concorrência. Desde a
entrada em vigor do Código Civil, quando surgiu esta novidade,
questiona a doutrina o fato de o direito estar condicionado ao regime de
bens do casamento. Também até hoje causa surpresa a circunstância de a
apuração do direito concorrencial eleger bases de cálculo diferentes:
quando se trata de casamento, o cálculo é feito sobre os bens
particulares do falecido. Na união estável, sobre os bens adquiridos
onerosamente durante a união.
A distinção, além de injustificada, traz
consequências terríveis. Ao conceder ao viúvo fração dos bens adquiridos
pelo falecido antes do casamento, por herança ou por doação, à claras
enseja enriquecimento sem causa do cônjuge. Atribui a alguém patrimônio
que não ajudou a amealhar. De outro lado, também provoca justificável
desconforto se os herdeiros não são filhos do viúvo, só do falecido,
realidade cada vez mais frequente. Terão eles maior dificuldade em
aceitar o novo casamento dos pais, pois terão que repartir os bens que
pertenciam exclusivamente ao genitor. Muitas vezes, até ajudaram a
amealhar, fazendo sacrifícios.
Por isso, ninguém duvida que o melhor critério foi o
adotado na união estável, ao determinar que o direito de concorrência
seja calculado sobre o patrimônio adquirido onerosamente, depois da
união, pressupondo esforço comum. Os bens particulares dos companheiros
pertencerão exclusivamente aos seus filhos.
Ainda assim – e talvez por um resquício da mais-valia
sempre atribuída ao casamento, desarrazoada e equivocadamente o Supremo
Tribunal Federal, ao reconhecer como inconstitucional a desequiparação,
elegeu como modelo a forma de cálculo prevista para o casamento.
E esta, Senhores Ministros, é a razão do meu dilema.
Explico: sou divorciada, tenho três filhos e, com
muito trabalho, consegui amealhar razoável patrimônio. Agora, depois dos
filhos criados, acabei me apaixonando. Mas, pelo jeito, não poderei
casar e nem viver em união estável. Em qualquer dessas hipóteses, no
caso do meu falecimento, o meu par ficará com um quarto do que amealhei
durante toda a minha vida?
Não teria qualquer problema em repartir eventuais
bens que viesse a adquirir depois da união. Nada mais justo. E já que se
está falando em justiça: é justo privar os meus filhos de parte do que
adquiri até agora? Até porque, o que ficar com o companheiro
sobrevivente, não retornará para eles que fizeram tanto esforço para ter
o que temos.
Senhores Ministros, desculpa, mas Vossas Excelências estão me proibindo de amar, de ser feliz.
.oOo.
Maria Berenice Dias é advogada, vice-Presidente Nacional do IBDFAM.
Disponível em: https://www.sul21.com.br/jornal/amor-proibido-por-maria-berenice-dias/
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