A vida de Santo Antônio está envolta numa constelação de milagres e
fatos prodigiosos: são curas, profecias, bilocações, exorcismos e até
ressurreições. Muitos teriam acontecido durante sua vida e outros, numa
cadeia incontável, depois da morte. Esta tradição já está consagrada no
antiquíssimo responsório “Si quaeris miracula”:
Se milagres desejais
Contra os males e o demónio,
Recorrei a Santo António
E não falhareis jamais.
Contra os males e o demónio,
Recorrei a Santo António
E não falhareis jamais.
Pela sua intercessão
Foge a peste, o erro e a morte,
Foge a peste, o erro e a morte,
Quem é fraco fica forte,
Mesmo o enfermo fíca são.
Rompem-se as mais vis prisões,
Recupera-se o perdido,
Cede o mar embravecido
No maior dos furacões.
Recupera-se o perdido,
Cede o mar embravecido
No maior dos furacões.
Penas mil e humanos ais
Se moderam, se retiram:
Isto digam os que viram,
Os paduanos e outros mais.
Se moderam, se retiram:
Isto digam os que viram,
Os paduanos e outros mais.
Grande número desses milagres foram imortalizados por artistas,
famosos ou populares, entre os quais, a pregação aos peixes em Rimini; o
coração do avarento encontrado no cofre; a mula em adoração diante do
Santíssimo; o recém-nascido que fala em favor da mãe inocente; o pé
decepado que o santo une à perna, etc.
E difícil dizer com certeza por onde passa a linha divisória entre a
verdade histórica e a fantasia religiosa; tanto mais que boa parte
desses milagres só vêm relatados em legendas tardias, certamente eivadas
de elementos lendários. Mas nem tudo é tardio.
Poucos meses depois da morte de Antônio, um documento, assinado pelo
Bispo diocesano e os professores da Universidade de Pádua, é apresentado
ao papa Gregório IX pedindo sua canonização.
No extenso relatório são elencados os inacreditáveis milagres que
vinham ocorrendo desde a morte de Antônio, ocorrida meses antes: são
inúmeras curas, entre elas, cinco paralíticos, sete cegos, três surdos,
três mudos, dois epilépticos, etc. “São poucos entre os muitos, e os
mais seguros entre os conhecidos”, destaca a legenda Assídua,
acrescentando que, no dia dos funerais do Santo, muitos enfermos
deixados fora da Igreja, na praça, foram curados aos olhos de todos.
A fama de tantos milagres constitui um dos incentivos mais fortes ao
culto de Santo Antônio. Um antigo sermonista tentou interpretar esses
prodígios no prisma da simbolização. Cada milagre teria um conteúdo
simbólico.
Assim, no caso da criança afogada que o santo recupera, se afirma o
poder de sua intercessão para devolver a vida do espírito a quem a
perdeu; no caso da barca naufragada que ele socorre, se afirma o poder
que tem para fazer emergir do pecado os que nele naufragaram. E assim
por diante.
Aliás, a própria lenda tem seu jeito de dizer a verdade,
simbolicamente, um pouco à maneira do provérbio que diz: “Onde tem
fumaça tem fogo”. Mas não se deve exagerar o sentido milagreiro da
devoção antoniana.
O povo que vai ao Santo não vai, sem mais, em busca de milagres.
Sobretudo não vai para pedir milagres impossíveis ou coisas absurdas. O
que pede são geralmente as coisas normais da vida: o alimento, a saúde, a
casa e o casamento, um emprego bom com salário digno, a paz e harmonia
na família, a ajuda para encontrar coisas perdidas ou superar situações
difíceis; enfim, o milagre de uma vida normal, do jeito que Deus pensou e
quer, mas que hoje está cada vez mais difícil. É este o maior milagre
do santo e também o mais desejado de todos.
Devoções, tradições e crenças
As primeiras manifestações de culto deram-se logo após a morte do santo, desdobrando-se depois, passo a passo, numa constelação de práticas, devoções e crenças, algumas das quais, mais conhecidas, são elencadas a seguir.
Santo casamenteiro
Assim é invocado pelas moças que desejam casar e assim é lembrado pelo nosso folclore. Não se sabe qual a origem da devoção. Talvez se ligue a algum milagre feito pelo santo em favor das mulheres, por exemplo, quando fez um recém-nascido falar para defender a mãe acusada injustamente de infidelidade pelo pai.
Mas há outro episódio com explicação mais direta. Certa senhora, no
desespero da miséria a que fora reduzida, decidiu valer-se da filha,
prostituindo-a, para sair do atoleiro. Mas a jovem, bonita e decidida,
não aceitou de forma alguma. Como a mãe não parasse de insistir, ela
resolveu recorrer à ajuda de Santo Antônio. Rezava ela com grande
confiança e muitas lágrimas diante da sua imagem quando das mãos do
Santo caiu um bilhete que foi parar nas mãos da moça. Estava endereçado a
um comerciante da cidade e dizia: “Senhor N…, queira obsequiar esta
jovem que lhe entrega este bilhete com tantas moedas de prata quanto o
peso do mesmo papel. Deus o guarde! Assinado: Antônio”.
A jovem não duvidou e correu com o bilhete na mão à loja do
comerciante. Este achou graça. Mas vendo a atitude modesta e digna da
moça colocou o bilhete num dos pratos da balança e no outro deixou cair
uma moedinha de prata. Mas qual! O bilhete pesava mais! Intrigado e sem
entender o que se passava, o comerciante foi colocando mais uma moeda e
outras mais, só conseguindo equilibrar os pratos da balança quando as
moedas chegaram a somar 400 escudos. O episódio tornou-se logo conhecido
e a moça começou a ser procurada por bons rapazes propondo-lhe
casamento, o que não tardou a acontecer, e o casamento foi muito feliz.
Daí por diante, as moças começaram a recorrer a Santo António sempre que
se tratava de casamento.
Santo das coisas perdidas
Esta tradição é antiquíssima, encontrando-se menção dela no famoso responsório “Si quaeris miracula”, extraído do ofício rimado de Juliano de Espira. Popularmente o “Siquaeris” é mencionado como uma oração taumaturga para encontrar objetos perdidos. A crença pode estar ligada a episódios como este, da vida de Santo António. Quando ensinava teologia aos frades em Montpeilier, na França, um noviço fugiu da Ordem levando consigo o Saltério de Frei António, com preciosas anotações pessoais que utilizava nas suas lições. Rezou o santo pedindo a Deus para dar jeito de reaver o livro e foi atendido deste modo: Enquanto o fugitivo ia passando por uma ponte, foi subitamente tomado pelo pavor, parecendo-lhe ver o demônio na sua frente que o intimava: “Ou você devolve o Saltério ao Frei António ou vou jogá-lo da ponte para o rio!” Assustado e arrependido, o jovem voltou ao convento com o saltério e confessou ao Santo sua culpa.
O “pão dos pobres”
É ao mesmo tempo uma piedosa devoção e uma instituição assistencial benemérita. Consiste em doações para prover de pão os pobres, honrando assim o “protetor dos pobres” que é Santo António. Uma tradição liga esta obra ao episódio de uma mãe cujo filho se afogou dentro de um tanque mas recuperou a vida graças a Santo António. Ela prometera que, se o filho recuperasse a vida, daria uma porção de trigo igual ao peso do menino. Por isso, no começo, esta obra foi conhecida como a obra do pondus pueri (peso do menino). Outra tradição relaciona a obra do pão dos pobres com uma senhora de Tbulon, chamada Luísa Bouffier. A porta do seu armazém tinha enguiçado de tal modo que não havia outro remédio senão arrombar a porta. Fez então uma promessa ao Santo: se conseguisse abrir a porta sem arrombá-la, doaria aos pobres uma quantia de pães. E deu certo. Daí por diante, as petições ao Santo foram se multiplicando em diferentes necessidades.Tbda vez que alguém era atendido, oferecia certa quantia de dinheiro para o pão dos pobres. A pequena mercearia de Luísa Bouffier tornou-se uma espécie de oratório ou centro sócial. A benéfica obra do “pão dos pobres” teve extraordinário desenvolvimento, com diferentes modalidades, e hoje é conhecida em toda parte.
Trezena
E uma “novena” de 13 dias lembrando a data da morte de Santo António. Também se lembra o dia 13 de cada mês, porque “Dia 13 não é dia de azar, é dia de Santo António”. Outros lembram Santo António nas quartas-feiras, dia em que foi sepultado.
Breve de Santo Antônio
Consiste numa medalha ou imagem do Santo que se leva consigo, com esta sentença escrita no verso: “Ecce Crucem Domini, fugite partes adversão! Vicit Leo de Tribu Juda, radix David. Alleluia, alleluia!” (Eís a Cruz do Senhor, afastai-vos forças adversas! Venceu o Leão da tribo de Judá, da raiz de Davi. Aleluia, aleluia). Esta sentença teria sido revelada pelo Santo a uma senhora que estava possessa, a fim de ser por ela libertada. É uma devoção que remonta ao século XIII.
A Vida de Santo Antônio
https://www.youtube.com/watch?v=fnsXj2JkMc0
Extraído dos Cadernos Franciscanos, “Santo Antônio e a devoção Popular”, de Frei Adelino Pilonetto, ofmcap
Disponível em: http://www.franciscanos.org.br/?p=18123
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