O julgamento da chapa Dilma-Temer no
TSE deixou em polvorosa os ânimos de quem se dispôs a acompanhá-lo na
última semana. Além da própria absolvição, um dos motivos que revoltaram
muitos dos incautos que esbravejaram suas indignações nas redes sociais
foi a guinada que Gilmar Mendes deu em seus posicionamentos:
Categórico,
taxativo e implacável em considerar provas supervenientes e dar
prosseguimento à ação quando era Dilma Rousseff a mandatária do País;
inflexível, comedido e garantista no momento em que o PSDB, que acionou o TSE apenas para “encher o saco” da
chapa vencedora, passou a estar na iminência de ser defenestrado do
Planalto junto com o governo que o acolheu de espírito aberto para
dilapidar todo o acúmulo de conquistas e reconhecimentos de direitos
desde a carta de 1988.
O
que mais chamou a atenção, todavia, foi a surpresa com que a conduta de
Mendes foi encarada por um naco considerável dos que expuseram suas
opiniões nas redes e caixas de comentários, acusando-o de ter se
comportado com parcialidade além de demonstrado não possuir quaisquer
condições morais e técnicas para ter assumido o posto que ocupa.
Sem
quaisquer surpresas, uma análise superficial é possível para deduzir
que este é o posicionamento dos desmemoriados que costumam adotar a
régua do moralismo, particular e individualista, para traçar seus
diagnósticos e prognósticos da crise política. E se a crise tem um fundo
puramente moral ao invés de sistêmico e estrutural, é com cruzadas
heroicas, diletantes e moralistas que será resolvida.
Por isso nomes como Sérgio Moro e Deltan Dallagnol ocupam lugar de destaque no altar de oferendas da turma do “primeiro a gente tira a Dilma”,
alçados à condição messiânica de apóstolos da moralidade investidos do
poder divino de espremer as feridas purulentas da política tradicional
e, do caos e da destruição, criar condições para o florescimento de uma
“nova política”, livre dos elementos espúrios que a conspurcavam.
Esta
miopia agendou muitas conclusões acerca dos ferinos embates entre
Mendes e o ministro Herman Benjamin durante o julgamento no TSE. Um
olhar indolente, circunstancial e moralista pode, de acordo com suas
conveniências ideológicas, ter se surpreendido com o despudor com que
Mendes mudou seus posicionamentos e se afileirou junto à defesa da
chapa. Mas, para quem acompanha minimamente seus passos desde de que
chegou ao STF, não há qualquer surpresa.
Gilmar
Mendes, ex-AGU do governo FHC conhecido por se engajar em acaloradas,
indiscretas e nada protocolares discussões em defesa de quem mais tarde o
colocaria na nossa suprema corte, está há quinze anos atuando como um
verdadeiro parlamentar de toga. Exemplos abundam de como jamais se
constrangeu em demonstrar como o combativo e pouco ortodoxo AGU orgânico
do PSDB jamais saiu de dentro de si.
Em 2010, um suspeito telefonema de José Serra,
então candidato à Presidência da República, fez Mendes suspender o
julgamento de uma ação de direto interesse da chapa tucana, gerando uma
forte tensão no plenário. Em outra ocasião, sentou, por um ano e cinco meses, em cima da ação direta de inconstitucionalidade que questionava o financiamento empresarial de campanhas.
Em seu voto, saiu em entusiástica defesa do livre mercado, destilou um
antipetismo incomum mesmo nas tribunas do Congresso Nacional, denunciou uma conspiração entre o PT e a OAB
e retirou-se às turras do plenário após o ministro Ricardo Lewandowski
conceder uma questão de ordem ao representante da entidade.
Mendes,
que não se constrange em oferecer jantares e ser visto em público em
anti-republicanas e amistosas relações com Michel Temer e tucanos de
alta plumagem como Serra e Aécio,
praticamente monopoliza a oferta de serviços de formação técnica e
acadêmica prestados ao Congresso Nacional e a cortes superiores por meio
do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), entidade da qual é
acionista junto com os sócios Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo
Gonet Branco. No quadro de docentes do IDP, membros da Advocacia e do
Ministério Público que patrocinam causas junto ao STF gozam do
privilégio de terem seus clientes julgados por seu patrão sem que este
alegue qualquer suspeição ou impedimento.
O
mesmo acontece com o advogado Sérgio Bermudes, seu amigo pessoal e
empregador de sua esposa, que junto com o marido já se hospedou nos
apartamentos que o advogado possui no Rio de Janeiro e na Quinta
Avenida, em Nova Iorque. O casal Mendes também ganhou de presente uma
viagem de cinco dias para Buenos Aires bancada por Bermudes logo após a
solenidade de transferência da presidência do STF para o então ministro Cézar Peluso. Não há notícias de que Gilmar tenha se declarado suspeito ou impedido em julgar os processos patrocinados por Bermudes.
“Nesse
caso também teria que me declarar suspeito nos processos do Ives
Gandra, que escreveu livros comigo, e de outros advogados que são meus
amigos”.
Respondeu quando indagado pelo jornalista Luiz Maklouf Carvalho. E o fato de sua esposa trabalhar no escritório de Bermudes? “Isso não é motivo”, retrucou categórico.
“Um dogmático, compilador de jurisprudência e de alguma doutrina, mas não tem nada de especial” é como o define o professor Juliano Zaiden Benvindo, colega de Mendes no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília.“Como teórico, fica bem a desejar. Seu raciocínio tende mais para uma perspectiva ‘manualesca’ do que efetivamente acadêmica”, prossegue Benvindo, para quem o propósito do ministro “parece ser mais construir obras que dão lucro (aliás, muito lucro), do que aprofundar temáticas complexas do constitucionalismo”. O flanco de Mendes na academia se reproduz na sua própria atuação enquanto magistrado.
Gilmar Mendes no STF é a degradação do Judiciário.
Vaticinou
Dalmo Dallari ainda em 2002 por ocasião de sua indicação e muito antes
da condescendência com que veículos da grande mídia o trataram nos anos
em que foi o porta-voz de um projeto político conservador do qual eram –
e ainda em boa parte são – fiadores.
O
problema é que, desde a divulgação dos áudios de Joesley Batista, a
permanência de Temer no Planalto tornou-se uma pedra no sapato para a
continuidade deste projeto e da consequente aprovação de reformas como a
trabalhista e da Previdência. Avaliando
que o presidente não possui mais condições políticas de levar à frente a
implosão do edifício constitucional de 1988, o conglomerado dos Marinho
chegou a pedir sua renúncia no editorial do seu maior jornal.
Mendes, que contou com a brandura do establishment midiático em episódios cabeludíssimos como o do famoso grampo sem áudio com o então senador Demóstenes Torres, passou a ter sua militância exposta de forma pouco usual tanto pela imprensa comercial como
pelo fã-clube de Moro e Dallagnol, alvo de uma epifania iluminista a
qual, agora que Mendes circunstancialmente não lhe professa a mesma
crença, fez seus integrantes passarem a acusá-lo de “parcial”, dentre
outras indelicadezas. Deveriam ter dado ouvidos aos avisos do professor
Dallari.
Gustavo Henrique Freire Barbosa é advogado e professor.
Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/12/por-que-so-agora-descobriram-que-gilmar-mendes-e-um-parlamentar-de-toga/
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