É engano acreditar que a repressão vai estancar a luta social. Normalmente, ela anuncia, como um gesto desesperado,
a próxima explosão.
Não há como deixar de mencionar a violência policial contra manifestações da greve geral
O Brasil assiste, nos últimos dias, ao agravamento de um conflito social. Sem rumo e com rejeição superior a 90%,
o governo Temer aposta na repressão para lidar com a crescente
insatisfação das ruas. Com isso se fortalece um clima de violência
institucional, que eleva a temperatura dos conflitos não somente nas
manifestações políticas, mas nos rincões e nas favelas, onde a presença
repressiva do Estado sempre foi a regra.
No Rio de Janeiro, a falência explícita das Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs) expõe que a política de “guerra às drogas” se traduz numa
sanguinária guerra aos pobres. O exemplo em carne viva é o Complexo do
Alemão, onde o número de mortos pelos “confrontos” dos últimos dias
levou às ruas a revolta dos moradores, mesmo com dura repressão.
Além das várias mortes pela PM, a UPP
chefiada pelo major Leonardo Zuma é acusada de invadir e roubar casas de
moradores, tudo com o argumento de instalar uma torre blindada,
batizada pela comunidade como “torre da vergonha”. Em Brasília avança a
austeridade, no Alemão, o Caveirão.
Distante da cidade, mas com igual
violência, nove agricultores foram assassinados num assentamento na
região de Colniza, em Mato Grosso. O massacre, a mando de fazendeiros
locais, deu-se com intensa crueldade.
Dias antes, em 17 de abril, a Comissão
Pastoral da Terra havia divulgado o anuário da violência no campo,
constatando que o número de assassinatos em conflitos no último ano foi o
maior desde 2003. O avanço conservador, respaldado num governo
golpista, reforça o sentimento de salvo-conduto para matar.
Para matar e mutilar. No domingo 30, uma
terra retomada pelos índios Gamela, no Maranhão, foi palco de uma
barbárie indescritível. A mando de fazendeiros, jagunços feriram 13
indígenas. Dois deles tiveram as mãos decepadas e outros dois sofreram
tentativa de esquartejamento, segundo os relatos. No mesmo dia, o
deputado Aluísio Guimarães Mendes, do PTN, havia chamado os Gamela de “pseudoindígenas”, questionando sua permanência naquela terra.
De volta ao asfalto, não há como deixar de mencionar a violência policial contra manifestações da greve geral
da sexta-feira 28. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, atos públicos que
reuniram multidões terminaram com bombas e pancada. Em Goiânia, o
estudante Mateus Ferreira continua internado após levar uma paulada de
um capitão da PM de forma totalmente despropositada, como mostram as
imagens.
Nesse contexto de crescimento da violência, o Judiciário tem papel protagonista. O caso de Rafael Braga,
condenado no fim de abril a 11 anos de prisão, é emblemático: preto e
pobre, representa por si só o estereótipo do inimigo público do Estado
brasileiro. Preso durante as manifestações de 2013, Rafael é uma vítima
do racismo e do elitismo penais.
Assim como a maioria do povo, não foi às
ruas contra o aumento de passagem nem contra a corrupção. Acusado de
carregar um “coquetel molotov”, Rafael afirma nem saber o que é um.
Portava um desinfetante ao ser detido. Sua prisão também não é exceção bizarra.
Ele faz parte do perfil majoritário da população
carcerária do País. Não fosse o contexto de sua prisão – e a consequente
repercussão –, Rafael seria mais um entre os milhares de anônimos
esquecidos nas masmorras desumanas que, como afirmou Mano Brown,
“guardam o que o sistema não quis”.
Para as masmorras também foram enviados Ricardo, Juraci e Luciano.
Presos em São Paulo no último dia 28, durante os atos da greve geral,
os militantes do MTST são acusados de “incêndio”, “explosão” e
“incitação ao crime”. Não há provas contra eles. Negros e pobres,
ousaram desafiar o Estado e sair da periferia para as principais
avenidas da cidade contra as reformas que lhes ameaçam a vida. Esse foi
seu crime, inaceitável para a casa-grande.
A juíza que lhes negou a liberdade, Marcela Filus,
apelou para a garantia da “ordem pública” como motivo fundamental.
Argumento típico de ditaduras e regimes de exceção para manter presos os
opositores.
A falta de isenção da magistrada revelou-se ainda com
publicações de apoio a manifestações do “Vem pra Rua” e MBL, disponíveis
em seu perfil em uma rede social. Lamentavelmente, isso está longe de
ser um caso isolado no Judiciário.
Escalada da violência contra os pobres no
Rio de Janeiro, massacres contra camponeses e indígenas, violência
policial desmedida nas manifestações e prisões políticas sustentadas
pelo Judiciário, eis o retrato do agravamento da crise social
brasileira. É ledo engano crer, no entanto, que a repressão vai estancar
a luta social. Normalmente, ela anuncia, como um gesto desesperado, a
próxima explosão.
Guilherme Boulos
Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
Guilherme Boulos
Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/revista/951/massacres-bombas-e-prisoes
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