Os golpistas nos impõem tempos de total insanidade. Decisiva a
colaboração da mídia: com sua desvairada atuação, só conseguiu criar um
monstro.
Frankenstein ficaria muito satisfeito
Francisco Matarazzo, figura dominante da Fiesp
nos anos 20 e 30 do século passado, além de dono de um terço do Porto
de Santos (a lembrança talvez desperte a inveja de Michel Temer),
costumava empregar crianças de 12 e 13 anos. Com gesto piedoso, punha-as
diante de máquinas de tamanho menor, adequado às suas estaturas. Quando
Getúlio Vargas
deu início a uma legislação social que desaguaria na Consolidação das
Leis do Trabalho, tratava de acabar de vez com situações como esta.
Na semana passada, o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, ao se referir à CLT, não deixou de recordar, em
tom acusatório, que Vargas se inspirara na Carta del Lavoro,
encomendada por Mussolini ao jurista Alfredo Rocco. Pois haveria de
saber que leis fascistas representavam para o Brasil de então um enorme
avanço. Com a reforma trabalhista pretendida pelo governo ilegítimo,
representariam até hoje.
Tenho a certeza de
que no caso a fala de Maia não contém apenas a desfaçatez do
prepotente, dita-a também uma ciclópica ignorância, fácil de perceber
nele e na maioria dos nossos parlamentares. O País vitimado pelo golpe
de 2016 teria voltado a tempos anteriores ao Estado Novo, aos da
República Velha, há quem diga. E se engana. De fato, foram é inaugurados
tempos novos de total insanidade.
Aonde pretendem chegar os golpistas do
alto dos escombros das instituições implodidas e seus propagandistas e
seguidores? Não há nexo na destruição sistemática de princípios,
valores, aspirações e ideais em meio ao caos.
Não há lógica na punição do trabalho e na
entrega do País ao capital estrangeiro. Não há como justificar a
permanência do desgoverno, sustentado por um Congresso que não é a casa
do povo, pela omissão de um Supremo covarde, pela propaganda de uma
mídia que jamais praticou o jornalismo.
A mídia brasileira vive um fenômeno sem
similares na sua própria história. Sempre serviu ao poder, com raras
exceções durante a ditadura surgida do golpe de 1964. Já houve
tentativas pregressas e corajosas de ater-se à verdade factual, bem como
profissionais de ótima lida com o vernáculo.
O esforço dos sabujos dos patrões
midiáticos, repórteres, colunistas, editorialistas, para minimizar a
greve de 28 de abril, quando não aviltar seus propósitos, seria patético
não fosse doentio. As Organizações Globo, em todas as suas
manifestações, ganhariam o aplauso dos órgãos da propaganda nazistas. A
greve, que na tarde da sexta-feira passada parou São Paulo e inúmeras
cidades brasileiras, foi tratada no vídeo global como um problema de
trânsito.
Trata-se de convencer a chamada classe média de que Pirandello
estava certo: assim é se lhe parece. Que significa classe média? Em
países civilizados, representa a maioria da população, estudou, consome
livros, conta com jornalismo para todos os gostos e tendências, e sabe
que a política inspira sentimentos e movimentos humanos, greves
inclusive.
Aqui, nestes tristes trópicos, ela é a
minoria, titulares e aspirantes da acumulação, escravos do dinheiro,
diria o papa Francisco, exibicionistas, ignorantes e vulgares, treinados
pela mídia para a confrontação entre ricos, poucos, e pobres, muitos.
Ao cabo, em data imprevisível, não serão aqueles que vão ganhar a
refrega.
Por ora, a
derrota da mídia nativa é evidente. Até quando pode perpetuar-se o
ataque à verdade factual? O êxito da greve geral está nos olhos de
todos. Assim como é inescapável o registro da impopularidade crescente
do governo fictício de Michel Temer e o crescimento das cotações de Lula
como candidato às próximas eleições.
Até mesmo o Datafolha
produziu uma pesquisa para confirmar. O revés é, porém, mais amplo e
profundo. No esforço insano, os propagandistas apostaram nos seus heróis
tucanos e só conseguiram gerar um monstro.
Eis o sinal mais nítido do fracasso,
consequência de uma crise antes de mais nada mental. Refletores
apontados para Serra, Aécio, Fernando Henrique ainda e sempre, Alckmin
como último recurso, ou, quem sabe, Doria. E quem ocupa a ribalta
reacionária?
Não são aqueles que tanto se empenharam
para servir à casa-grande, quem literalmente os extirpa da cena é
Bolsonaro, com todos os seus rancores, recalques e preconceitos, com sua
vocação fascistoide e seus rompantes vingativos. Consequência
inevitável do desastre em que o golpe nos mergulha à sombra de uma
situação digna do estudo do doutor Philippe Pinel.
Disponível de: https://www.cartacapital.com.br/revista/951/chamem-o-doutor-pinel
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