Em plenária realizada na tarde de ontem, terça-feira (2), durante a 55ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), denunciou as violações dos direitos indígenas ocorridas nos três poderes do Estado brasileiro. Para o religioso, governo de Michel Temer
é conduzido pela bancada ruralista, “setor que atua de modo articulado,
sistemático e violento no ataque aos povos e direitos indígena”. Como
consequência da atual conjuntura política nacional, “cria-se o caótico
cenário político indigenista vivido no Brasil”.
A reportagem é publicado por Conselho Indigenista Missionário - CIMI, 03-05-2017.
Para atender aos interesses dos financiadores das campanhas
eleitorais e daqueles que conduziram o impeachment, “diferentes órgãos
foram ocupados por pessoas com posicionamentos antagônicos aos povos
indígenas, quilombolas, demais comunidades tradicionais e camponeses sem
terra”. O pronunciamento de dom Roque para dezenas de bispos, em Aparecida (SP), assinala as concessões de cargos a ruralistas no governo Temer.
Para aprovar medidas de “reformas”, o atual governo leiloou ao
agronegócio inclusive o Ministério da Justiça, responsável pelas
demarcações das terras indígenas. Osmar Serraglio (PMDB-PR),
hoje Ministro da Justiça, “é o representante do núcleo duro da bancada
ruralista, setor que atua de modo articulado, sistemático e violento no
ataque aos povos e direitos indígenas”, aponta Dom Roque.
Sob constantes ataques, os direitos indígenas são congelados e o que
avança no Ministério da Justiça e na Câmara dos Deputados são ações “que
visam a desconstrução dos direitos dos povos indígenas no Brasil”. No Executivo Federal, demissões e cortes no orçamento na Fundação Nacional do Índio (Funai) – o que caracteriza desmonte da instituição – também assinalam os retrocessos contra os direitos dos povos tradicionais. “O enxugamento da máquina governamental
configura a desproteção dos povos indígenas, perpetua situações de
vulnerabilidade sócio cultural, conflitos e violências enfrentadas pelos
povos [...]. Também favorece a invasão, loteamento e apossamento ilegal
de terras indígenas já demarcadas [...]”.
No Poder Judiciário, quando o assunto são os povos indígenas,
o que vem em pauta é o marco temporal. Instrumento de grupos
anti-indígenas, a tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos
direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras
tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos povos originários na
data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
Ergue-se outra bandeira da bancada ruralista. Contudo, o pronunciamento do líder religioso adverte: “Eventual decisão majoritária do STF
em favor dessa tese significará, na prática, a legalização e
legitimação de todas as ações violentas, cometidas por forças privadas e
pelo próprio Estado brasileiro, até aquela data, que resultaram em
expulsões dos povos de suas terras”.
Perseguições ao Cimi, seus membros e colaboradores
Dom Roque Paloschi aponta no documento ações do poder legislativo que visam calar a voz profética do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Para ele, são “perseguição política, tentativa de criminalização e
provocação de danos morais contra a organização, seus membros e
colaboradores”.
Na carta, o bispo ressalta as acusações infundadas que compunham a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cimi no Mato Grosso do Sul (MS)
e recorda que “tentativas de linchamento moral” contra o organismo não
são inéditas, ao recordar as injúrias publicadas pelo jornal Estado de São Paulo
no advento do processo Constituinte, em 1987. “As acusações desferidas
por parte de representantes do agronegócio sul mato-grossense contra o Cimi,
seus membros e colaboradores tinham exclusivo viés político-ideológico e
se deram num contexto de perseguição”, afirma. O relatório da CPI MS foi arquivado por falta de provas.
Para recordar a importância do trabalho do Cimi
junto aos povos indígenas, além de mencionar as instâncias nacionais e
internacionais de atuação do organismo, o arcebispo memora a atuação do
salesiano Rodolfo Lunkenbein (1939-1976) e do jesuíta Vicente Cañas
(1939-1987), ambos assassinados por defenderem a vida dos indígenas. “O
martírio aponta para o núcleo da esperança de uma causa aparentemente
perdida, de uma causa que na última instância e antecipadamente recebeu o
veredito de Deus fiel e justo: 'serás livre e tua causa viverá'”.
Leia a carta na íntegra:
“Felizes os mansos, porque receberão a terra em herança.” (Mt 5,5)
O cenário político indigenista vivido no Brasil é caótico. O risco
iminente de retrocessos contra os direitos indígenas, de modo especial
ligados ao território, é alto. O agravamento das violações de direitos
humanos dos povos indígenas no Brasil é evidente.
As ameaças e ataques anti-indígenas ocorrem nos três poderes do
Estado Brasileiro. Favorecidos com doações milionárias de grandes
corporações, inclusive multinacionais, o ruralismo saiu ainda mais
fortalecido das urnas, em 2014. O impeachment, de 2016, permitiu
aumentar o ataque contra os povos indígenas em todo o território
nacional.
A bancada ruralista, que já exercia forte pressão sobre o governo Dilma, agora assumiu, por completo, a condução política do governo Temer. Diferentes órgãos foram ocupados por pessoas com posicionamentos antagônicos aos povos indígenas, quilombolas, demais comunidades tradicionais e camponeses sem terra.
A bancada ruralista, que já exercia forte pressão sobre o governo Dilma, agora assumiu, por completo, a condução política do governo Temer. Diferentes órgãos foram ocupados por pessoas com posicionamentos antagônicos aos povos indígenas, quilombolas, demais comunidades tradicionais e camponeses sem terra.
Até mesmo o Ministério da Justiça, que tem papel fundamental na
condução dos procedimentos administrativos de demarcação das terras
indígenas, foi assumido por um membro da bancada ruralista, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00, principal instrumento legislativo contra os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil.
O Ministro da Justiça destaca-se por ser um operador orgânico,
empenhado nas ações que visam a desconstrução dos direitos dos povos
indígenas no Brasil. Corporações empresariais ligadas ao agronegócio
foram as principais financiadoras de sua campanha à Câmara dos
Deputados. Como ministro do governo Temer, é o
representante do núcleo duro da bancada ruralista, setor que atua de
modo articulado, sistemático e violento no ataque aos povos e direitos
indígenas.
Pelo enxugamento de recursos e descompromisso político, o governo Temer
paralisou os procedimentos administrativos de demarcação das terras
indígenas. Desde que assumiu o governo, em maio de 2016, nenhuma terra
indígena foi homologada pelo Presidente e sequer declarada pelo Ministro
da Justiça.
O Executivo federal também demitiu funcionários e cortou o orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Com isso, mais de cinquenta coordenações técnicas locais e ao menos
cinco bases de proteção a povos isolados e de recente contato estão
sendo fechadas pelo órgão indigenista.
O enxugamento da máquina governamental configura a desproteção dos
povos indígenas, perpetua situações de vulnerabilidade sócio cultural,
conflitos e violências enfrentadas pelos povos, de modo especial nas
regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Noroeste do país. Também favorece a
invasão, loteamento e apossamento ilegal de terras indígenas já
demarcadas; ao mesmo tempo em que fortalece o risco de genocídio contra
diversos povos isolados, de modo especial na região Amazônica.
No Judiciário, de modo especial no Supremo Tribunal Federal (STF),
há intensa disputa em torno da interpretação do atual texto
constitucional. Os ruralistas e alguns Ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) defendem a tese político-jurídica do
Marco Temporal, segundo a qual os povos somente teriam direito às terras
nas quais estavam na posse em 05 de outubro de 1988, data da
promulgação da Constituição Brasileira. Naquele momento, muitos povos
indígenas estavam encurralados em terras não demarcadas e impedidos de
reivindicar seus territórios. Trata-se de matéria de profunda
importância e gravidade. Eventual decisão majoritária do STF
em favor dessa tese, significará, na prática, a legalização e
legitimação de todas as ações violentas, cometidas por forças privadas e
pelo próprio Estado brasileiro, até aquela data, que resultaram em
expulsões dos povos de suas terras.
A mera possibilidade de legitimação dos esbulhos de terras indígenas
cometidos até outubro de 1988, tem servido para insuflar a prática de
novas invasões, loteamentos e apossamentos ilegais de terras indígenas
já demarcadas, práticas que estão em curso especialmente nos estados de
Rondônia e Pará.
Perseguições ao Cimi, seus membros e colaboradores: A CPI do Cimi no Mato Grosso do Sul e a CPI da Funai/Incra na Câmara dos Deputados.
No advento dos 45 anos completados no último dia 23 de abril, o Cimi tem a alegria de informar sobre o arquivamento, por parte do Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério Público Federal (MPF), do Relatório produzido pela CPI do Cimi
no Mato Grosso do Sul. A Comissão Parlamentar de Inquérito criada e
conduzida por parlamentares ruralistas invadiu a vida institucional do Cimi, de membros e colaboradores da organização durante oito meses, no período de setembro de 2015 a maio de 2016.
Ao longo de todo esse tempo, acusações marcadamente falaciosas foram
amplamente divulgadas como se verdade fossem por diferentes veículos de
comunicação, inclusive pela TV pública da própria Assembleia Legislativa
daquele estado. Imagens de missionários e seus familiares e crianças
foram divulgadas sem o menor respeito.
O arquivamento do Relatório da CPI do Cimi pelos
órgãos de controle do Estado brasileiro demonstra que a luta por
direitos e em defesa da Vida no Brasil não é e não pode ser tratada como
crime em nosso país. Com o arquivamento do citado Relatório, fica
novamente demonstrado, mais uma vez, que o Cimi, seus membros e colaboradores atuam, única e exclusivamente, dentro dos marcos político-legais vigentes no Estado brasileiro.
A motivação central do arquivamento do Relatório da CPI, a saber, por
falta de provas, materializa o fato de que as acusações desferidas por
parte de representantes do agronegócio sul mato-grossense contra o Cimi,
seus membros e colaboradores tinham exclusivo viés político-ideológico e
se deram num contexto de perseguição, tentativa de criminalização e na
intenção de provocar danos morais contra uma organização reconhecida,
nacional e internacionalmente, pelo compromisso com a vida dos povos
indígenas e de uma sociedade plural e democrática.
Nesse contexto, o Cimi chama a atenção para o fato
de que o referido Relatório, devidamente arquivado pelos Ministérios
Públicos Estadual e Federal no Mato Grosso do Sul, foi requerido e pode
estar sendo ‘requentado’ pelos ruralistas no âmbito da CPI da Funai/Incra na Câmara dos Deputados. O relatório desta nova CPI provavelmente será aprovado ainda neste mês de maio de 2017.
Por evidente, eventual menção e retomada, pela CPI da Funai/Incra, de acusações dirigidas ao Cimi, a seus membros e colaboradores que foram arquivadas junto com o Relatório da CPI do Cimi no Mato Grosso do Sul,
significará prática recorrente, de modo consciente e deliberado, por
parte de seus autores, de perseguição política, tentativa de
criminalização e provocação de danos morais contra a organização, seus
membros e colaboradores.
Cumpre lembrar que estas estratégias de acusações infundadas e tentativas de linchamento moral contra o Cimi
não são inéditas. No advento do processo Constituinte, em 1987, na
tentativa de desqualificar a luta dos povos indígenas pela garantia de
seus direitos no texto Constitucional, o Cimi também sofreu um duro processo de acusações públicas feitas por meio do Jornal Estado de São Paulo.
As acusações desembocaram numa Comissão Parlamentar de Inquérito no
Congresso Nacional. Na ocasião, ao longo do funcionamento da CPI foi
comprovado o caráter totalmente fraudulento dos documentos que embasavam
as acusações contra o Cimi. Composta por maioria
contrária ao Cimi e à causa indígena, a CPI finalizou sem a votação do
relatório que necessariamente inocentaria o Cimi.
Incidência junto a Organismos Multilaterias em defesa da causa indígena no Brasil
Diante do caos vivido no Brasil quanto às violações de direitos
humanos provadas por representantes dos interesses do agronegócio, bem
como, do absoluto controle político das estruturas legislativas e de
governo no Estado brasileiro pelo mesmo setor, a atuação política junto a
organismos multilaterais em defesa dos direitos e da vida dos povos
indígenas ganha ainda mais importância.
Neste sentido, o Cimi tem mantido presença, por meio
de seus missionários, e contribuído para garantir a participação de
lideranças indígenas em diferentes espaços de incidência internacional,
tais como: o Fórum Permanente da ONU sobre Povos Indígenas, o Conselho de Direitos Humanos da ONU, as representações diplomáticas do Brasil junto à ONU e à OEA; a Relatoria Especial da ONU para Povos Indígenas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligadas à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Destacamos, neste contexto, a atuação do Cimi, por meio de suas assessorias e missionários, no Caso Xucuru, que está em julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, e a apresentação de denúncia formal sobre violações e violências sofridas pelos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em conjunto com organizações parceiras, em 2016.
Importante salientar ainda, que, em 2016, o Cimi obteve o Status Consultivo Especial no Conselho Econômico e Social da ONU. O fato atesta o reconhecimento da Organização das Nações Unidas relativamente à atuação do Cimi
em defesa da Vida e dos direitos dos povos indígenas no Brasil e
fortalece a missão e a responsabilidade do Organismo de Pastoral junto a
instâncias multilaterais.
A visita ao Brasil e o Relatório produzido pela Relatora Especial da ONU sobre povos indígenas, Victoria Tauli Corpus,
em 2016, em que constam informações sobre violações e violências
cometidas, especialmente, contra povos indígenas no Mato Grosso do Sul,
Bahia e Pará, bem como as recomendações feitas pela mesma , atestam a
gravidade da situação vivida pelos povos indígenas em nosso país.
Os ataques violentos feitos por milicianos de modo organizado e com
requintes de crueldade, desferidos após a visita da Relatora Especial da
ONU e já no contexto do Governo Temer, especialmente nos casos do conhecido “Massacre de Caarapó”, contra os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul em junho de 2016, e o ataque contra os Gamela,
neste domingo 30 de abril de 2017, no Maranhão, demonstram o
agravamento da situação e a total desconsideração às normas legais
vigentes no Brasil e às recomendações de organismos internacionais por
parte de representantes do agronegócio no Brasil.
Parece-nos fortemente paradoxal e não razoável o fato de que uma
notícia, por exemplo, sobre a ocorrência de eventual caso de febre
aftosa em um boi numa determinada região do Brasil provoque restrição,
suspensão e até mesmo o fechamento dos mercados à importação de carne
bovina brasileira, ao mesmo tempo em que notícias como o massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido no Pará, em 1997, o Massacre de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, em 2016, e o Massacre de Colniza,
no Mato Grosso, em 2017, não tenham consequências, tais como, de
restrição, suspensão ou fechamento nestes mesmos mercados à importação
de commodities produzidas pelo agronegócio nessas regiões.
A avidez como motivação dos ataques anti-indígenas
Em momentos de crise no sistema capitalista, as grandes corporações
intensificam suas iniciativas na perspectiva de manter e ampliar as
taxas de lucro, potencializando a concentração de capital no mundo .
Para tanto, atuam fortemente em todos os níveis, para flexibilizar os
direitos conquistados pelos trabalhadores, para se apropriar de bens
estatais por meio de privatizações e para expandir a posse e a
exploração de bens naturais.
O acesso, a exploração e a transformação de bens naturais em
mercadoria comercializável é um mecanismo de geração de lucro fácil e
rápido. O movimento expansionista vigente em toda a América Latina, e no
Brasil em especial, dá-se nessa perspectiva. As terras que estão na
posse dos povos indígenas e de outras populações tradicionais são ricas
em bens naturais. Por isso, essas áreas estão sob permanente assédio e o
direito sobre elas estão sob intenso ataque.
Os Povos Conscientes e em luta na defesa de seus direitos e projetos de vida.
Diante disso tudo, por óbvio, os povos indígenas não ficariam de
“braços cruzados”. O ataque sistemático e violento aos seus direitos e
às suas vidas faz com que se mobilizem em todas as regiões do país. Nas
aldeias, nas estradas, nas retomadas, nas autodemarcações, nas
incidências e mobilizações, no Brasil e em instâncias multilaterais,
continuam fazendo as denúncias contra os projetos de morte do
agronegócio e anunciando, em alto e bom som, que estão vivos e que darão
suas vidas pelo direito à Vida e ao futuro de sus gerações em seus
territórios demarcados e protegidos.
Continuidade e audácia do nosso compromisso
com os povos indígenas
Eu trago do 14º Acampamento “Terra Livre”, de Brasília, os gritos dos povos indígenas para essa nossa assembleia da CNBB: “demarcação já!”, “respeito aos territórios demarcados!”, “respeito à vida dos povos indígenas”. O Relatório de Violência contra os povos indígenas no Brasil
nos obrigou, novamente, de divulgar uma realidade triste. Dentre outras
violências graves, mais de 650 casos de omissão e morosidade na
regularização de terras, cerca de 600 óbitos de crianças de 0 a 5 anos, e
dezenas de assassinados no ano de 2015 foram registrados.
Até hoje, a defesa dos povos indígenas é uma luta pela vida e contra a
morte. Pecado não é apenas “matar índios”. “Pecado” significa também,
indiferença diante das ameaças de sua causa pelos três poderes,
ingenuidade de parcerias e indigenismo de gabinete.
Faz 10 anos que se realizou, aqui em Aparecida, a 5a. Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Lhes asseguro, caros colegas no ministério episcopal, que as missionárias e os missionários do Cimi têm “um compromisso com a realidade” (DAp 491), como o Documento de Aparecida (DAp)
nos recomendou e que esse compromisso “nasce do amor apaixonado por
Cristo que acompanha o Povo de Deus na missão de inculturar o Evangelho
na história” (DAp 491). Mas esse compromisso do testemunho pascal levou o
Cimi, muitas vezes, aos limites entre vida e morte. Celebramos este ano
o jubileu de dois mártires do Cimi: o salesiano Rodolfo Lunkenbein (1939-1976) e o jesuíta Vicente Cañas (1939-1987), Rodolfo assassinado, faz 40 anos, porque defendeu o território dos Bororo, Vicente, faz 30 anos, porque defendeu o território dos Enawenê Nawê. Rodolfo era conselheiro do Cimi, Vicente sua consciência inquieta. Mas os primeiros mártires da causa indígena foram os próprios índios.
Por fim, agradeço profundamente o apoio, o envolvimento e o empenho da Presidência da CNBB em relação à causa indígena no Brasil e, de modo particular, ao Cimi. Estou convicto de que se não fosse isso, a situação descrita neste pronunciamento seria muito mais grave.
Quero terminar essa comunicação com um breve testemunho de Dom Aldo Mongiano, meu antecessor de Roraima. Ao despedir-se da diocese, em 1996, D. Aldo
escreveu uma Carta Pastoral que poderia ser do apóstolo Paulo: “Fui
espionado, sofri ameaças, insultos, falsos testemunhos. [...] Durante
vinte anos, políticos, jornais e rádios locais alvejaram atirando contra
a Igreja de Roraima, lançando contra mim e contra os missionários da
Consolata as críticas mais venenosas e as calúnias mais infames. [...]
Quando parti para Roraima, tinha comigo só o passaporte, a passagem e o
documento de Roma, no qual tinha sido nomeado bispo. Quando fui embora,
nem isso tinha” (Mongiano, Aldo. Roraima entre profecia e martírio,
Diocese de Roraima, 2011). Mas lutar não foi em vão. Eis a nossa
esperança também hoje. Faz tempo que o território dos povos indígenas de
Roraima e dos Bororo e dos Enawenê Nawê do Mato Grosso
foram demarcados. O martírio aponta para o núcleo da esperança de uma
causa aparentemente perdida, de uma causa que na última instância e
antecipadamente recebeu o veredito de Deus fiel e justo: “serás livre e
tua causa viverá”. Vivemos de esperança em esperança, porque
acreditamos: “Felizes os mansos, porque receberão a terra em herança.”
(Mt 5,5).
Dom Roque Paloschi
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/567265-ameacas-e-ataques-anti-indigenas-ocorrem-nos-tres-poderes-do-estado-denunciou-dom-roque-paloschi-na-assembleia-geral-dos-bispos
Nenhum comentário:
Postar um comentário