Que o Brasil está rachado num movimento de polarização política não é
novidade para ninguém. Desde 2014 as brigas reais e virtuais entre os
que se julgam mais à direita e os que se definem mais à esquerda estão
ao alcance de um clique. Mas, há um tema que aproxima simpatizantes dos
dois polos, embora suas respectivas bolhas não interajam a respeito: a
rejeição ao Governo do presidente Michel Temer. Um levantamento da empresa de inteligência digital Veto, feito com exclusividade para o EL PAÍS, mostra que durante todo o mês de fevereiro 89% das manifestações relacionadas a Temer no Facebook e Twitter foram negativas para ele, independentemente do perfil político do usuário.
A reportagem é de Carla Jiménez e Marina Rossi e publicada por El País, 05-03-2017.
Segundo a análise da Veto, quando assumiu como
interino em maio de 2016, a imagem do presidente era positiva para 30%
dos usuários. Agora, somente 11% promovem mensagens de apoio a Temer nas redes sociais.
O porcentual de 89% de avaliações negativas é contundente, se comparado, por exemplo, aos números de menções depreciativas a Dilma Rousseff
nos primeiros meses de 2016. A então poucos meses do processo de
impeachment, a avaliação negativa da ainda presidenta alcançava em média
70% em menções a seu nome nas redes, segundo a Veto. “Nunca chegou a
89% numa média mensal como acontece com Temer agora”, afirma Raoni Scandiuzzi,
responsável pelo estudo. “Houve dias em que a rejeição a Dilma batia
80% nos comentários nas redes, mas em outros, 60%”, compara.
O monitoramento levou em conta um universo de 30.000 pessoas usuárias do Facebook e Twitter. A Veto
relacionou os comentários dos usuários sobre política e avaliou as
páginas e perfis seguidos por eles. Por isso é possível observar para
qual polo ideológico esses internautas pendem. Pela análise, quem se
encontra mais à direita segue perfis como o de Sergio Moro, Aécio Neves, Jair Bolsonaro e sites anti-PT. Já os que se consideram mais à esquerda seguem o perfil de Lula, Dilma Rousseff, Jean Willys e Ciro Gomes.
A alta rejeição popular de Temer não é novidade. Vem
sendo captada pelas pesquisas de opinião tradicionais – 51% consideram o
Governo ruim ou péssimo e 10% avaliam a gestão do peemedebista como
ótima ou boa, segundo a última pesquisa do Datafolha, realizada em dezembro. O estudo da Veto, entretanto, dá matizes deste descontentamento entre a opinião pública polarizada.
O mesmo levantamento revela que a definição de esquerda e direita
assumida publicamente está mais em bolhas nos extremos de cada lado: 8%
dos usuários monitorados se afirmam de esquerda, e questionam, por
exemplo, a legitimidade do Governo fruto de um impeachment que eles
definem como um golpe. Em outra ponta, 15% se apresentam como sendo de
direita e não questionam a legitimidade de Temer no
poder. Já 77% da amostra de usuários não têm um alinhamento ideológico
claro, e tomam posições de acordo com um contexto específico – em 2016 a
grande maioria apoiou a saída de Dilma, por exemplo. Este grupo também não questiona a condição de Temer
presidente. Porém, 39% dos comentários captados nesse grupo avaliam mal
o Planalto por percebê-lo como corrupto ou defensor de corruptos. “A
ideia de que o Governo se esforça para impor obstáculos à Lava Jato é muito presente nessa argumentação”, diz o estudo.
Os projetos de seus aliados no Congresso para minar as dez medidas
contra a corrupção ou leis que tentam reduzir o poder do Ministério
Público são apenas alguns exemplos de passos da administração Temer que aumentaram a desconfiança da população. A indicação de Moreira Franco para ser ministro às vésperas das delações da Odebrecht
– e assim garantir foro privilegiado – e as citações suspeitas sobre
seus ministros em investigações da Lava Jato reforçam ainda mais essa
percepção. Tudo em um momento em que se acendeu de vez o rastilho de
pólvora das delações da Odebrecht, nas quais 78
executivos da empresa entregarão os nomes dos políticos que receberam
propina ou pediram caixa 2 para seus partidos.
O fim da corrupção foi um dos pilares que sustentou o pedido do impeachment de Dilma Rousseff
nas ruas e fora delas e por isso a frustração aparece nas redes
sociais. “Havia uma expectativa de parcela significativa da sociedade,
manifestada nas redes à época do impeachment, de que um governo chefiado
por um grupo político diferente do PT poderia trazer mudanças que
culminariam em melhores resultados econômicos e práticas executivas
pautadas pela ética”, diz a conclusão do levantamento.
Não por acaso, os mesmos movimentos que se articularam para levar as manifestações pelo impeachment de Dilma no ano passado voltarão às ruas no próximo dia 26 em apoio à Lava Jato e pelo fim da corrupção. Embora estes grupos não atraiam a atenção da esquerda, aumentam o clima de rechaço para Temer. “Mesmo não havendo colaboração direta [entre os que se declaram de esquerda e direita], o Governo Temer pode sofrer com ataques simultâneos dos dois lados”, avalia Pablo Ortellado, que integra o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da Universidade de São Paulo. “Isso só não está acontecendo porque a liderança política da direita (MBL, Vem Pra Rua etc.) resolveu ainda não romper com o governo. Mas isso pode mudar no futuro”, avalia Ortellado.
Rejeição à reforma da Previdência
Outro fator que vem elevando o grau de críticas a Temer nas redes é a proposta de reforma da Previdência que
está em debate no Congresso atualmente. Dentro do bloco dos 77% dos
usuários sem definição política aberta, 37% dos comentários repudiam a
gestão do presidente por políticas específicas. “A reforma da
Previdência, em especial, é profundamente rejeitada por esse grupo”,
afirma Scandiuzzi.
Ortellado também já detectou posts muito críticos à
reforma em ambientes virtuais mais atrelados à direita. “Não sei se é
uma tendência geral ou um fato pontual, mas ela está sendo muito mal
recebida”, comenta o professor da USP, que fará um
levantamento específico na próxima manifestação para conhecer a opinião
dos manifestantes a respeito da Previdência. Ele reconhece que as
mudanças previdenciárias estão sendo mais rejeitada que e a PEC do teto de Gastos aprovada no final do ano. “Talvez porque a PEC era abstrata e o impacto difuso é no futuro”, completa.
Bolhas
Os internautas com uma bandeira clara (8% à esquerda e 15% à direita)
formam bunkers impenetráveis nas redes sociais, enquanto os outros 77%
seguem ao sabor dos ventos de acordo com o contexto presente, observa Scandiuzzi. “Tanto a esquerda quanto a direta se fecham em bolhas e não conseguem furar o bloqueio”, diz. Para Ortellado,
a polarização política cria barreiras morais de rejeição ao campo
adversário que impedem a colaboração em pontos de convergência. Ele
observa, entretanto, que não é só o descontentamento com as práticas do
Governo Temer que une os dois campos. “Nos nossos
levantamentos, aparecem também a defesa da saúde e educação públicas e o
ambientalismo”, comenta.
Já os que não se assumem nem para um lado e nem para outro fazem
parte de um grupo que quer falar de política e se interessa por
política, mas não se sente representada por nenhum projeto que se
apresenta atualmente. Para Scandiuzzi, é um quadro
muito parecido ao que foi visto durante os protestos de 2013. “O
discurso no fim, é o mesmo, sobre um Estado ausente e inoperante. A
mesma queixa de 2013”, acredita. Depois daquele ano, o PT personificou esse Estado ineficiente, o que acabou gerando a pressão das ruas que ajudou a derrubar o Governo Dilma. Agora, Temer
é a bola, ou a vidraça da vez. “Ele é o chefe do Executivo e o
representante máximo dessa geleia geral que se instalou no Brasil”,
conclui.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/565434-corrupcao-e-reforma-da-previdencia-elevam-rejeicao-a-temer-a-89-nas-redes-sociais
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