sábado, 3 de outubro de 2015

"SOU UMA MULHER PRESA EM UM CORPO MASCULINO. AGORA VOU PODER SER QUEM SOU"

Transexual que irá utilizar o serviço de 

hormonioterapia gratuita oferecido a partir de 

quinta-feira (1) pela prefeitura 

vê oportunidade como mudança de vida. 

“Significa tudo para mim”.



Por Sarah Fernandes, 
Da RBA
“Eu sou uma mulher presa em um corpo de homem. Isso abala muito meu psicológico. É angustiante. Mas agora vou ter a oportunidade de ser quem eu realmente sou.” Foi com toda essa expectativa que a estudante transexual Maria Catarina, de 50 anos, chegou pela manhã a Unidade Básica de Saúde da Sé, no centro de São Paulo. A partir de quinta-feira (1) ela tem acesso ao serviço de hormonioterapia gratuito para população transexual que agora é oferecido na rede básica de saúde da capital paulista.
“Nunca fiz tratamento com hormônios porque é caro e eu sustento, sozinha, minha madrasta. Mas sempre foi meu grande sonho. Vejo minhas amigas que fazem hormonização e elas estão lindas, expressando sua feminilidade, sendo quem elas são. Agora é minha vez”, diz emocionada Maria Catarina, que desde janeiro é umas das participantes do programa municipal Transcidadania, uma iniciativa da prefeitura que oferece uma bolsa de estudos para travestis e transexuais voltarem a estudar. Maria é uma das que faz o curso profissionalizante de manipulação de alimentos, no Senac.
O atendimento será iniciado pelas nove Unidades Básicas de Saúde (UBS) da região central, que, segundo a prefeitura, concentra 70% das pessoas transexuais da cidade. Os profissionais que trabalham nos equipamentos passaram por uma capacitação para atender a população trans de forma humanizada. As equipes, multidisciplinares, contarão com psicólogos que farão o acompanhamento dos pacientes e de um endocrinologista – por enquanto apenas na UBS Santa Cecília, que fará o monitoramento da condição de saúde dos pacientes, por meio de exames clínicos.
Quem procurar a hormonização passará primeiramente por sessões com um psicólogo, que irá elaborar um laudo analisando se a pessoa está convicta do que quer. A partir daí, ele será encaminhado para consulta com o endocrinologista, que vai solicitar exames e avaliar se prescreverá o tratamento. A expectativa da prefeitura é conseguir estender o serviço para outras regiões da capital paulista. Esta primeira etapa será direcionada para os beneficiários do Projeto Transcidadania, já que a maioria delas faz uso de hormônio.
A terapia com hormônios busca induzir o desenvolvimento de características sexuais secundárias compatíveis com a identidade de gênero da pessoa. De forma geral, é um tratamento continuado pela vida toda, sendo interrompido apenas para a realização de cirurgias. Por falta de atendimento na rede pública, muitas pessoas transexuais acabam recorrendo à automedicação, o que pode acarretar em problemas graves de saúde, devido ao uso inadequado dos hormônios.
O agente de prevenção de DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis), Luciano Medeiros, toma hormônios há três anos para manter características físicas masculinas. Durante um ano e meio, ele fez o tratamento por conta própria, comprando medicamentos no mercado paralelo. “Quando se faz sozinho você não sabe a dosagem e corre o risco de ter trombose, aumento da pressão e até um derrame cerebral”, diz. “Com acompanhamento médico é seguro. É, para nós, algo muito importante. Lembro da primeira dose de testosterona que eu tomei. Foi uma libertação. A partir daquele dia minha relação comigo mesmo mudou.”
“É uma transformação, motivada pela identidade de gênero que, se mal feita, pode afetar profundamente a saúde da pessoa e acarretar custos maiores para os serviços públicos. Por isso temos um ambulatório como esse, para fazer atendimento integral, com orientação médica e psicológica. Vai ser muito importante para os que querem a terapia hormonal como também para reduzir custos e complicações que afetam o serviço público como um todo”, disse o secretário municipal de Saúde, Alexandre Padilha, durante a cerimônia de lançamento do programa.
Atualmente a população transexual de São Paulo conta com atendimento de hormonioterapia apenas no Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids do governo paulista, que presta atendimento à população transgênero desde 2010, no bairro Santa Cruz, zona sul da capital paulista. “Nós estamos rompendo a barreira do preconceito. Aqui a população trans pode ter acesso a sua terapia hormonal na unidade básica de saúde, junto ao conjunto da população atendida. O SUS (Sistema Único de Saúde) no município de São Paulo está aberto e se reorganiza para atender a população trans, que tem necessidades especificas”, disse Padilha.
“O Brasil é o país onde mais se mata travestis. Atrás vem o México, mas com uma taxa quatro vezes menor. A expectativa de vida dessa população é de 50 anos. Nesse cenário, atender os travestis e os transexuais, pela terapia hormonal e pelo Transcidadania, é a obrigação de uma prefeitura que tem as pessoas como prioridade”, disse o secretário adjunto de direitos humanos do município de São Paulo, Rogério Sotilli.

Disponível em:  http://brasildefato.com.br/node/33107


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