O progressismo no Brasil é uma bagunça ideológica. O termo viralizou e passou a ter o significado do senso comum. Quando falamos em progressismo, entendemos alguma coisa politicamente colocada à esquerda, relacionada aos direitos das minorias: movimentos negro, feminista, LGBT, etc.
O termo "progressismo", curiosamente, surgiu nos EUA, no século XIX. A ideia era rever o modelo constitucional dos "founding fathers", calcado em liberdades individuais e econômicas, para atacar o problema da desigualdade. Propôs a construção de um capitalismo de Estado forte, com mecanismos de redistribuição de renda e suporte social. No Brasil, progressismo está associado à esquerda, muito pela influência do pós-modernismo europeu, que fez a cabeça dos intelectuais daqui.
No seu sentido mais puro - a crença no valor do progresso - trata-se de um movimento por mudanças. Um esforço de romper tradições; acusar o marasmo de estruturas sociais atrasadas; propor novas formas de se reconhecer e vivenciar valores sociais. O progressismo reconhece que a natureza do ser humano é a transformação. A história demonstra isso de forma clara e inequívoca: a única constante ao longo de todo o desenvolvimento da humanidade é que nós iremos rever, mudar, destruir, para criar o novo. Nesse sentido, o progressismo é uma alegria. Ele clama que larguemos as amarras que nos constrangem para abraçar a potência que existe no novo.
O termo "fundamentalismo", curiosamente, também surgiu nos EUA. Foi uma reação à teologia do modernismo - um movimento religioso em sua origem, portanto. O fundamentalismo recusava a visão modernista de que os dogmas religiosos deveriam ser revistos, reinterpretados à luz dos novos tempos. Não. O fundamentalismo pregava que a experiência religiosa estaria essencialmente ligada à observação estrita dos dogmas. O termo se popularizou e, por extensão, passou a se referir a toda forma de aderência a uma ideia dogmática, calcada em verdades indiscutíveis e intolerante ao diálogo. Nesse sentido, o fundamentalismo é uma tristeza. Ele é uma recusa do encontro. Ele exige submissão intelectual, estreitamento de repertório, diminuição das potencialidades da vida.
Então, o que é o fundamentalismo progressista? É uma contradição em termos. Uma aberração. É a forma triste de uma alegria. Ele acontece quando o progressismo se torna uma guerra. E não é difícil entender como uma tragédia dessas acontece. Sempre que um movimento surge, dentro de qualquer sistema, pedindo por mudanças, haverá uma resposta que tende a manter o sistema intacto. Essa resposta, uma reação ao progresso, é o movimento reacionário. Quando há uma guerra, é muito difícil ficar no meio termo. Como os progressistas fundamentalistas adoram dizer: se você é moderado, você é contra as mudanças. Ser moderado é paralisante. Portanto, ser moderado é reacionário.
Pode ser. Mas, e como é ser radical, nesse caso? Seria muito bom se o progressismo radical fosse a afirmação intransigente de seus princípios básicos. Seu discurso seria sobre a alegria de ser reconhecido como um indivíduo, de ter sua subjetividade e seus direitos respeitados, de viver mudanças, novidades, aprendendo a aceitar diferenças e transformações. Mas, não é essa a cara do progressismo radical. Ele se transformou na afirmação de que quem não reza sua cartilha é um agente das forças do mal. O discurso progressista nos lembra, o tempo todo, que o homem branco cisgênero de elite não tem direito a opinião. Mulheres brancas não têm direito a opinião sobre o movimento negro e homens negros não têm direito a opinião sobre o movimento feminista. Na verdade, uma mulher negra que tenha uma opinião divergente sobre o movimento negro, ou feminista, também não tem direito à sua opinião. Ela passa a ser entendida como alguém engolida pelas ideologias reinantes, incapaz de enxergar a luz, a verdade trazida pelos profetas do progressismo. Não há nenhum critério para identificar quem é capaz de se erguer acima da massificação ideológica, além da concordância com o movimento. Está aí. Esse é o fundamentalismo progressista.
O maior erro desse fundamentalismo é que ele não se ocupa mais do que afirma, mas do que nega. O fundamentalismo progressista é contra. Contra a tolerância, contra o respeito, contra a livre expressão das subjetividades. Na verdade, uma crença fundamental do fundamentalismo progressista é que não existem subjetividades livres. São comuns as afirmações do tipo "Eu sou machista, eu sou racista, somos todos racistas e machistas, nessa sociedade racista e machista", ditas por mulheres negras ativistas. Eu consigo entender de onde vem a necessidade para afirmações desse tipo. Elas desmontam argumentos contrários. Elas apontam os equívocos da sociedade. Mas, não tem como escapar: são afirmações tristes, deméritas, paranoides. Lembram os fundamentalistas religiosos chicoteando a si mesmos por seus pecados.
O fundamentalismo progressista é uma aberração. É a deterioração de uma ideia até se tornar irreconhecível. É pior do que apenas algo feio; é a corrupção da beleza. É pior do que triste; é o envenenamento da alegria. É mais do que ódio; é a perversão do amor. E não é nenhum progresso. É medieval.
Mais ainda, o fundamentalismo progressista é a maior arma nas mãos dos reacionários. É o principal responsável pela força da bancada conservadora no Congresso. Para quem, como eu, não quer assinar carteirinha de membro de nenhuma dessas expressões totalitárias, sobra o limbo político e social onde se encontra a maioria da população. Vivemos sem representatividade, sem bandeira, sem lobby no Congresso. Ao menos, em meio a crises, disputas e acusações de todos os lados, nos esforçamos para não perder de vista o que realmente importa: viver como uma alegre afirmação de nós mesmos. Eu não sou machista, nem racista, nem reacionário. Eu cometo erros, reproduzo vícios sociais, e gosto quando o progressismo me aponta problemas. Mas, não perco a confiança no valor da minha liberdade. E o respeito pela dos outros. No fundo, é até bem simples.
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