Leonardo Sakamoto
As coisas eram melhores antigamente. Havia menos violência, as pessoas se respeitavam mais, não questionavam umas às outras, viviam felizes e em paz.
Daí vieram os baderneiros.
Eles só trouxeram confusão e tumultos e fizeram outras sofrerem. O que precisamos é de mais gente ponderada, que não seja nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
Que siga o exemplo do Mandela que conseguiu acabar com o Apartheid através do diálogo e que… Hã… Sei… Ah, é? Ele foi um dos articuladores da resistência e acreditava no uso da força como último recurso? Não importa, o que vale é a mensagem que ficou para o mundo. E a mensagem é essa: não se faz transformação social séria sendo radical nas ideias.
O quê? Hum… A Revolução Francesa? Ah, mas isso é exceção! Vi o filme do Lincoln e sei que a liberdade dos negros nos Estados Unidos foi feita sem uma gota de sangue derramado, só na articulação…
Ah… Muita gente morreu e continua morrendo por isso? Essa é a sua opinião, não os fatos e os fatos mostram um presidente negro nos Estados Unidos. Você está se prendendo a tecnicalidades. Policiais matam negros e brancos todos os dias nos Estados Unidos ou no Brasil e… Ah, matam mais negros? Isso é mentira sua.
Entenda bem: não é legítima nenhuma conquista obtida na base da pressão. Greve, por exemplo. Que mérito tem um grupo de trabalhadores que cruza os braços e transforma a vida dos demais cidadãos em um inferno? O empresário já está dando o máximo de si. Se ele diz que não dá para dar um aumento maior é porque não dá e ponto. Esse clima todo de desconfiança na palavra do outro é horrível, gera uma energia super negativa…
O quê? Garantir a estabilidade no emprego? Aumentar a participação nos lucros? Isso aqui não é um país socialista, se o trabalhador quer ganhar mais que abra seu próprio negócio como o empresário abriu, não?
Cadê o bom senso? Por exemplo, estamos vivendo uma ditadura pior que a época do regime militar. Os índios estão saindo de florestas que abandonaram há séculos e agora querem tomar as terras de quem estava lá antes… Sim, antes deles!… Não dá para dizer que o fazendeiro não tem o direito de defender sua propriedade…
Não… Discordo… É diferente… Proteger sua própria fazenda é uso legítimo da força para manter a legalidade. Tá na lei. Eu disse que tá na lei! Só que vocês não entendem o que significa a lei, né? Não gostam de obedecê-la…
Daí aparecem aqueles bandos de sem-teto cracudo e sem-terra vagabundo invadindo prédio e fazenda dos outros e o Estado cai na chantagem e entrega imóveis e terras para eles. Daí esses vagabundos acabam sendo mantidos por conta dessa pressão…
Falta gente ponderada que, ao invés de ficar empurrando os outros com o cotovelo, entenda o seu lugar na sociedade. E se quiser mudar de vida que lute de acordo com as regras do jogo… Não importa quem definiu as regras. Se elas estão aí, é para obedecer, senão vira caos.
E é função do Estado impedir o caos, impedir essas mudanças que vão trazer dor aos homens de bem… Sim, descendo o cacete em vagabundo, devolvendo esses índios indolentes de volta para as florestas, mantendo esses cracudos sem-teto longe. E também deixando claro para gays, lésbicas e travestis não podem impor seu estilo de vida espalhafatoso para cima do nosso… Não, não podem, isso não é casa da mãe Joana, tem que respeitar as regras…
Regras de quem? Nossas regras! Não é uma questão só de qualidade de vida, mas também de sobrevivência. Nossa integridade, tudo o que conseguimos conquistar, estão em risco com esses vândalos.
As coisas eram melhores antigamente. Havia menos violência, as pessoas se respeitavam mais, não questionavam umas às outras, viviam felizes e em paz.
Daí vieram os baderneiros.
Eles só trouxeram confusão e tumultos e fizeram outras sofrerem. O que precisamos é de mais gente ponderada, que não seja nem tanto ao céu, nem tanto à terra…
(O Ministério da Educação adverte: Texto com doses cavalares de ironia. Interprete com moderação.)
Leonardo Sakamoto
É jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.
Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/07/21/o-brasil-era-perfeito-antigamente-dai-vieram-os-baderneiros/
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